Ipiranga, Shell e Petrobras têm apps próprios que oferecem desconto e até cashback ao encher o tanque, em troca de alguns dados pessoais
Em um momento de instabilidade econômica que levou a sucessivas altas de preços nos combustíveis, a população tem recorrido a alternativas para pagar menos. Uma delas vem da tecnologia: as empresas do setor mantém aplicativos para celular que oferecem descontos no abastecimento por meio de programas de fidelidade.
Para obter a vantagem, porém, o cliente não paga apenas com a carteira, mas também com seus dados pessoais. É necessário fornecer nas plataformas informações como CPF, nome completo e até nome da mãe e data de nascimento em certos casos.
As grandes empresas do setor, como Ipiranga, Shell e Petrobras, afirmaram à reportagem que seguem o determinado na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Para o consumidor, o importante é estar em acordo com o consentimento dos dados em troca do desconto e se informar sobre seus respectivos usos comerciais.
Abastece Aí
O Abastece Aí é o aplicativo dos postos Ipiranga, que traz benefícios do Programa Km de Vantagens. Seu diferencial é a carteira digital, que permite acumular cashback (devolução de parte do valor pago) para serviços financeiros básicos, como transferências em TED e Pix, ou novos abastecimentos na rede Ipiranga.
O cliente também tem a opção de receber pontos no Km de Vantagens, que podem ser trocados por benefícios em empresas parceiras em diferentes setores.
Por oferecer uma carteira digital, o Abastece Aí é o que mais pede dados sensíveis. No cadastro, é necessário informar até mesmo o nome da mãe e a data de nascimento do cliente. Isso porque o app cria uma conta de pagamentos no Banco BV, que precisa respeitar as regras do Banco Central.
Procurada pelo Byte, a Ipiranga diz que o aplicativo “assegura a transparência e compromisso com o mercado, usuários e o cumprimento das leis aplicáveis e ressalta que a segurança de dados, além de obrigações legais e regulatórias, são valores inegociáveis para a empresa”.
Shell Box
No Shell Box, os clientes podem usar cartão de crédito, dinheiro e carteiras digitais para pagar pelo combustível e acumular pontos em um dos mais de 3.800 postos credenciados e 500 lojas de conveniência Shell Select.
Pagando com o app, a cada litro abastecido o cliente ganha um ponto, e eles dobram se o abastecimento for feito com Shell V-Power, o combustível aditivado da Shell. O cliente ainda pode ganhar um ponto a cada dois reais gastos nas Shell Select.
Os pontos dão direito a descontos no abastecimento ou acúmulo de “conchas digitais” para serem trocadas por produtos exclusivos da marca Shell. O aplicativo também localiza o posto Shell mais próximo, além de oferecer promoções, consulta ao extrato de pontos e lista de abastecimentos e descontos já recebidos.
Por não oferecer cashback, o Shell Box não cria uma carteira digital como o Abastece Aí. Por isso, o aplicativo pede menos dados sensíveis dos usuários. Apesar disso, ainda é necessário informar a data de nascimento e o CPF no cadastro da conta. A Shell afirma que o app “permite realizar pagamentos nos postos Shell de forma digital, rápida, sem contato, segura e descomplicada”.
Premmia
O Premmia é o Programa de fidelidade dos postos Petrobras. A cada abastecimento, compras nas lojas de conveniência BR Mania ou serviços automotivos nas franquias Lubrax+, o participante acumula pontos que podem ser trocados por ingressos para eventos culturais e esportivos, milhas aéreas e vales-combustível. Também traz descontos em serviços e produtos de empresas parceiras, como decoração, gastronomia, hotéis e aluguel de carros.
O aplicativo ainda permite aos clientes adaptarem seus perfis de acordo com suas funções: motorista de passeio, taxista ou motorista de aplicativo, ou caminhoneiro.
Na hora do cadastro, o Premmia pede data de nascimento e CPF, assim como o Shell Box. Não há necessidade de incluir nome dos pais, já que não é criada uma carteira digital vinculada a um banco. Apesar disso, o aplicativo da Petrobras oferece integração com o AME Digital para realizar pagamentos.
Segundo representantes do Premmia, o app aposta em gamificação. “Além dos pontos que acumula ao abastecer, o cliente acumula raios, de maneira semelhante às milhas das companhias aéreas”. Esses raios servem para subir o nível do cliente, e com isso, obter direito a mais benefícios. São três níveis: essencial, aditivado e premium.
Aplicativos de postos de gasolina podem pedir dados pessoais?
Em resposta à reportagem, o Procon-SP diz que os postos de combustível podem oferecer esses aplicativos descontos e vantagens, “desde que as informações sobre o funcionamento do programa sejam todas prestadas de forma clara e precisa; cabe ao consumidor avaliar se é de seu interesse aceitar a oferta”.
As empresas também devem acatar as determinações da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que dispõe sobre o tratamento de informações pessoais. Caso o consumidor aceite participar, as condições do contrato (promoções, acúmulo de pontos, descontos e outros benefícios) devem ser cumpridas nos termos em que foram propostas.
Além disso, o Procon lembra que o Decreto Federal 10.634/2021, que trata da divulgação de informações sobre os preços dos combustíveis, prevê que, em caso de haver descontos vinculados ao uso de apps de fidelização, deverão ser informados ao consumidor “o preço real, de forma destacada; o preço promocional, vinculado ao uso do aplicativo de fidelização; e o valor do desconto”.
Políticas de privacidade estão de acordo com a legislação
Os aplicativos Shell Box, Premmia e Abastece Aí deixam claro como usam os dados de seus clientes. As duas primeiras fornecem essas informações logo no momento do cadastro. Já o Abastece Aí fornece em seu site oficial a política de privacidade completa, informando em detalhes o destino das informações.
Rafael Zanatta, diretor da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, diz que o pedido de dados pessoais nem sempre tem fins escusos por trás. “Esses dados como o nome da mãe, por exemplo, são importantes para fazer prevenção de fraude e identificação de veracidade das informações prestadas”, diz.
Para ele, o mais importante é que a empresa deixe muito claro desde o início o uso das informações, para que o cliente possa exercer seus direitos. “Toda pessoa tem direito de perguntar a ele qual a finalidade daquele dado e perguntar também com quem são compartilhados. O mais importante é criar uma cultura cívica para as pessoas exercerem seus direitos e terem esse esclarecimento”.