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Após cair 50% na bolsa, Ultrapar ajusta operação

16/08/2018

Fonte: Valor Econômico

A Ultrapar, dona da rede de postos Ipiranga, da distribuidora de gás Ultragaz e de uma das histórias empresariais de maior sucesso na última década no Brasil, enfrenta um inédito período de críticas e indisposição do mercado. Depois de ter passado bem pelos piores anos da economia brasileira, com mais de uma década de crescimento contínuo, a companhia perdeu quase 50% de seu valor de mercado – nada menos do que R$ 22,5 bilhões desapareceram – apenas nos últimos seis meses. A empresa saiu de seu recorde de R$ 45,5 bilhões, em 1º de fevereiro, para os atuais R$ 23 bilhões, nível de preço de 2012.

Nesse mesmo período, o Índice Bovespa recuou 10,5%, para 76,5 mil pontos. A indisposição dos investidores com o grupo deve-se à redução da rentabilidade, a partir de 2017, com problemas na estratégia comercial e perda de mercado da Ipiranga, que responde por 85% da receita e 75% do Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização, na sigla em inglês) do grupo, além de questionamentos quanto à cultura corporativa para o futuro pós-Paulo Cunha. O executivo, que foi presidente do conselho de administração desde 1998 e da companhia até 2007, se transformou na identidade do negócio e anunciou, em maio, o afastamento da gestão do grupo, devido à piora em sua saúde.

No fim de 2017, as previsões das grandes casas de análises apontavam para um Ebitda consolidado do grupo de, pelo menos, R$ 4,2 bilhões neste ano. Agora, as projeções dos principais analistas variam de R$ 3,45 bilhões para R$ 3,2 bilhões. O ajuste supera os efeitos extraordinários combinados – da ordem de R$ 500 milhões -, da multa pelo não fechamento da compra da Liquigás (controlada pela Petrobras) e das perdas com a greve dos caminhoneiros. Isso depois de o indicador ter mostrado pequeno recuo já no ano passado, para R$ 4,1 bilhões.

O ajuste no valor do grupo, que tem também no portfólio a líder em armazenamento de granéis líquidos Ultracargo e a de especialidades químicas Oxiteno, mais a rede de farmácias Extrafarma, não foi de uma só vez, tampouco foi suave. Agora, o cenário mais adverso que o de costume pode inclusive trazer mudança de paradigmas na estratégia do grupo, conforme o Valor apurou.

O conselho de administração está hoje disposto a avaliar com mais agilidade mudanças no portfólio dos negócios e, de forma inédita, a considerar associações para os principais ativos. Para aquisições, a companhia mira oportunidades de consolidação nas Américas para as operações de Ultracargo, Oxiteno e Ultragaz.

Além disso, bem recentemente, diante do aumento dos questionamentos e acidez dos analistas, passou a admitir as falhas no ramo de combustíveis e a preparar o mercado para 2019. A crença da alta cúpula da companhia é que o próximo ano será de ajustes no país e, por isso, fraco de atividade, com impacto em resultado.

A queda no preço da ação e na rentabilidade acenderam a luz amarela e deixaram descontentes até mesmo os acionistas herdeiros do fundador Ernesto Igel, organizados nas holdings Ultra e Parth do Brasil, que aumentaram seus questionamentos à gestão. Juntas, as sociedades são o que mercado chama de controladores minoritários, pois têm 31,25%, desde que a empresa unificou a classe de ações e aderiu ao Novo Mercado, em 2011.

O prêmio de confiança em governança e execução que a companhia conquistou se transformou subitamente em deságio, por causa de interrogações. A empresa perdeu a posição de “queridinha” do mercado pela avaliação de analistas de que “nada mais será como antes no setor de combustíveis”, como constava de relatório do BTG Pactual de retomada de cobertura.

A Ultrapar conquistou fama pela valorização do negócio e por se transformar em uma importante pagadora de dividendos, com a expansão contínua combinada a retorno, após a compra da Ipiranga em 2007.

No fim de 2008, ano da consolidação da Ipiranga dentro do grupo, a Ultrapar valia R$ 7 bilhões na bolsa, riqueza que foi multiplicada 5,5 vezes até o pico de fevereiro. De 2009 a 2017, os negócios do grupo geraram R$ 10,2 bilhões de lucro líquido e a holding distribuiu aos acionistas R$ 5,2 bilhões em dividendos. O apreço pela companhia incluía o reconhecimento de governança que privilegiou, desde a abertura de capital em 1999, o alinhamento entre controladores e investidores de mercado.

Os questionamentos sobre a Ultrapar aumentaram após as negativas do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para as aquisições da distribuidora de combustíveis Alesat e de gás Liquigás. A partir daí, a empresa passou a ser escrutinada e a gestão da Ipiranga ganhou os holofotes, uma vez que a própria administração afirmou que faria seu crescimento organicamente.

A avaliação é que a queda na margem está associada à mesma causa da perda de participação de mercado ao longo de 2017. A companhia extrapolou nos preços para o revendedor, os operadores dos postos, deixando-os insatisfeitos e propensos a trocar de bandeira. Além disso, o valor mais alto prejudicou o volume absoluto vendido. Os contratos com revendedores têm duração de cinco anos, o que significa um potencial de troca de 20% a cada ano.

Conforme o Valor apurou, no diesel, que responde por 40% do volume da Ipiranga, o sobrepreço histórico de R$ 0,01 por litro que a empresa conseguiu cobrar do revendedor chegou a R$ 0,05. A partir do segundo semestre do ano passado, após diagnosticar o problema na controlada, a Ultrapar retomou níveis de preço considerados “normais”. E, desde então, mesmo antes de admitir aos interlocutores necessidade de mudanças, voltou a se dedicar à reconquista de mercado.

Hoje, como parte dos desafios, devido ao aumento na troca da bandeira, tem quase 5% de seus mais de 8 mil postos – mais de 400 unidades – com contrato assinado, mas ainda sem operar devido a razões como licenças e autorizações. A expectativa da empresa é colocar a maior parte deles em atividade ainda neste ano.

A política comercial, que trouxe resultados extraordinários em 2015 e 2016, abriu espaço para a rival Raízen, dos postos Shell, avançar. Dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Bicombustíveis (ANP) mostram que a Ipiranga perdeu a vice-liderança no volume de diesel e de gasolina. A fatia de mercado da Ipiranga no diesel caiu de 23,1% para 19,8%, na comparação entre o primeiro trimestre de 2016 e de 2018. Para efeito comparativo, a Alesat, avaliada em R$ 2,2 bilhões na tentativa de aquisição, tinha 2,9% do mercado nesse produto. Em gasolina, a segunda posição era praticamente um empate entre as duas concorrentes, há dois anos, cada uma com pouco mais de 20%. No início deste ano, a Raízen manteve a fatia em 20,4%, enquanto a Ipiranga caiu a 19%.

Apesar do mea-culpa e da admissão do avanço da Raízen, a justificativa da empresa é que não soube rapidamente se reposicionar após as mudanças no mercado de combustíveis, com alteração na política de preços da Petrobras, e o aumento das importações.

“A dinâmica do mercado vem mudando nos últimos dois anos e a Ipiranga precisou se ajustar à nova realidade. Estamos focando na melhoria contínua de nosso relacionamento com os revendedores, que são parceiros de longo prazo, e na alocação mais eficaz de nossos investimentos”, disse ao Valor André Pires, diretor financeiro e de relações com investidores da Ultrapar.

Embora a companhia negue a relação entre os fatos nas conversas com o mercado, o desvio de rota ocorreu justamente quando começou a discussão a respeito da sucessão dentro da Ipiranga, cujo superintendente é Leocadio Antunes, com 65 anos – teto da idade de referência no grupo para renovação. Inicialmente, a disputa ficaria entre Jerônimo Santos, diretor de varejo e marketing, e Flavio Dantas, diretor comercial, ambos com muitos anos de casa. Dantas, contudo, saiu da empresa, há cerca de três anos.

Após os problemas com os revendedores, a companhia passou a considerar a busca no mercado de um novo gestor para a Ipiranga. A definição, segundo fontes, deve ocorrer dentro dos próximos 12 meses.

A tentativa de entender melhor a questão da Ipiranga levou os investidores a perceberem que Ultracargo e Oxiteno também terão de enfrentar definições sobre sucessão em breve, pois seus líderes têm mais de 60 anos, assim como acaba de ocorrer com Ultragaz – com a escolha de Tabajara Bertelli Costa para substituir Pedro Jorge Filho.

Sobre isso, a posição de Pires é que “identificar e preparar sucessores é tarefa central de todos os gestores do Ultra, da diretoria executiva às gerências de cada um de nossos negócios”. O diretor ressaltou ainda que a empresa tenta sempre buscar a melhor combinação entre talentos internos e externos

Mas a discussão entre os investidores foi ainda mais longe e despertou preocupações sobre o futuro da cultura corporativa da Ultrapar pós-Paulo Cunha. A avaliação, feita pelo retrovisor mas com impacto na percepção presente, é que o sucesso do modelo de gestão – que transformava executivos em sócios de longo prazo – foi até Pedro Wongtschowski, presidente do conselho de administração.

Não está claro que o grupo terá o mesmo êxito daqui para frente e a incerteza é algo que o mercado costuma penalizar sempre com as piores expectativas.

Os dois últimos presidentes da Ultrapar vieram de fora: Thilo Mannhardt e o atual Frederico Curado. Nesse caminho, o grupo perdeu profissionais como Fabio Schvartsman, atual presidente da Vale e que saiu após 22 anos de casa, e André Covre que, com 15 anos de companhia e na linha de sucessão, optou por uma troca de carreira e escolheu se dedicar a projetos no terceiro setor.

“Nunca mais se conseguiu o time e o alinhamento que havia quando a gestão contava, ativa e simultaneamente, com Cunha, Wongtschowski, o também sócio e ainda conselheiro Lucio de Castro Andrade, Schvartsman e Covre”, disse um investidor histórico do grupo.

A questão da troca de gerações é percebida como um desafio com impacto sobre os negócios também pelos herdeiros, que hoje transferiram a Wongtschowski o bastão de guia do grupo, que era de Cunha. Há muitos anos os Igel não interferem no negócio. Wongtschowski primeiro sucedeu Cunha na presidência executiva da empresa e, agora, no conselho de administração.

O desafio do executivo e também acionista, na visão de investidores, é manter a mesma unidade dentro das famílias, num cenário de perda de valor, e ao mesmo tempo definir claramente o papel da holding Ultrapar sobre as controladas. Atualmente, elas têm grande autonomia e independência, mas estão às vésperas de trocar as lideranças.

O debate sobre sucessão e cultura bateu na porta dos herdeiros de uma forma diferente e houve um diálogo embrionário a respeito de uma combinação com Lojas Americanas, avaliada em R$ 25 bilhões na bolsa, no fim do ano passado. Com o argumento da experiência do varejo da empresa, para operar uma rede de conveniência nos postos, a transação seria muito mais uma forma de o trio do fundo 3G Capital – Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira – chegar na base de sócios da Ultrapar. Porém, a conversa não evoluiu para além de uma cortesia de troca de ideias, uma vez que Wongtschowski não via sentido operacional e nem afinidade cultural entre as empresas.

Para completar o conjunto gerador do mau humor de investidores e analistas, o brilho do histórico de execução da Ultrapar foi arranhado pela Extrafarma, agregada ao portfólio em 2013. No quinto ano dentro do grupo, a rede ainda não dá retorno do investimento. No semestre, o Ebitda acumulado dessa unidade é negativo em R$ 7 milhões.

Apesar de ter impacto reduzido no total absoluto, o negócio não resultou na sinergia esperada com postos e, além disso, enfrenta um mercado altamente competitivo. Há críticas à estratégia agressiva de crescimento antes de uma integração de sistemas e do conhecimento profundo desse mercado.

A rede, original das regiões Norte e Nordeste, passou de 261 lojas em março de 2016 para as atuais 401, com receita líquida anual da ordem de R$ 1 bilhão. A explicação da empresa para o desempenho fraco é que 55% das unidades ainda estão na fase de maturação, pois cada loja nova leva de três a cinco anos para começar a ter retorno.

De tudo, há um ponto que desagrada em particular aos herdeiros, mas sem ser fonte de preocupação relevante para o mercado. A companhia, para seu padrão histórico, está com uma alavancagem acima de sua média. A dívida líquida – em R$ 8,9 bilhões – equivale a 2,55 vezes o Ebitda anual. Não por acaso, a redução desse patamar tornou-se discurso recorrente da administração nas apresentações ao mercado.

O grupo tem reforçado que fará uma alocação criteriosa de recursos, mesmo após ter adotado a expansão orgânica como estratégia pública. Em dezembro de 2017, a companhia anunciou o maior investimento de sua história, de R$ 2,7 bilhões. Em maio, contudo, já cortou a previsão em 20% e agora assume discretamente que a execução de fato “deverá ser” ainda menor.

Apesar de os investidores não demonstrarem preocupação com a dívida, ela é ingrediente importante no aumento do questionamento sobre o portfólio da Ultrapar. Há mais de um ano, a Oxiteno foi alvo de conversas a respeito de uma possível combinação com a Clariant. Recusada no passado, a operação encontraria um conselho de administração hoje mais simpático a este tipo de modelo.

Para a Extrafarma, a gestão não esconde planos de participar de uma esperada consolidação. E, hoje, falar em fusão nessa unidade não é mais assustador na Ultrapar, que foi identificada durante anos pela clara preferência por deter 100% dos negócios em que atua.

Formalmente, o diretor financeiro e de relações com investidores da empresa trata a questão do portfólio como natural: “O Ultra promove uma revisão contínua de seu portfólio de investimentos e das oportunidades que se apresentam”, afirmou Pires. Porém, em conversas fechadas, a cúpula da companhia admite um viés novo para essa análise de rotina.

O desconto hoje atribuído à companhia é, segundo um investidor, quase uma parada do mercado para reavaliar o grupo, a fundo. Grandes casas de investimento estão atentas ao negócio, em busca de sinais para saber se o tombo na bolsa abriu, na verdade, um ponto de compra.

“O mercado é um excelente perpetuador do passado recente”, disse um analista de muitos anos da companhia para explicar tanto o prêmio que a Ultrapar carregou por longo tempo como o tamanho do ajuste atual. No conselho, a queda despertou preocupações de que fundos ativistas pudessem montar posições, em busca de uma voz no colegiado. Mas, por enquanto, tudo indica que Wongtschowski terá tempo para, junto com Curado, buscar o status perdido. A companhia, que chegou a ser a 13ª maior da B3, agora está baixo das top 20.

 

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