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‘A esquerda tem a mesma visão sobre a Petrobras que os militares de direita’, diz Castello Branco

07/11/2024

Fonte: Estadão

Três anos e meio depois de deixar o Petrobras, o ex-presidente da empresa Roberto Castello Branco, de 80 anos, decidiu botar a boca no trombone. Em seu novo livro, Petrobras – A luta pela transformação (Ed. LVM), que será lançado nesta quinta-feira, 7, na Livraria da Travessa, no Rio de Janeiro, ele conta como foi a sua experiência no comando da estatal, entre janeiro de 2019 e abril de 2021, durante o governo Bolsonaro.

Integrante do grupo que se tornou conhecido como “Chicago Oldies”, que reúne a velha guarda de brasileiros que estudou economia na Universidade de Chicago, templo mundial do liberalismo, da qual também faz parte o ex-ministro Paulo Guedes, Castello Branco apresenta em sua obra uma visão inédita de um alto executivo de uma estatal do porte da Petrobras sobre o que ocorre entre as paredes da empresa.

Nesta entrevista ao Estadão, ele fala em primeira mão sobre os principais temas abordados no novo livro, cuja produção o repórter acompanhou desde o princípio, como o impacto negativo que a visão nacionalista e estatista tem na gestão da Petrobras, que une a esquerda e militares de direita, especialmente do Exército.

“O nacionalismo fervoroso acabou transformando a Petrobras numa espécie de fetiche. Em nome disso, muitos abusos foram cometidos e quase a destruíram”, diz. Apesar das diferenças políticas, certos segmentos da direita, principalmente esses vinculados aos militares e à direita tradicional, se encontram com a esquerda nessa questão.”

Castello Branco revela também os desperdícios e os privilégios que existiam na Petrobras quando ele assumiu a presidência, comenta o efeito que o petrolão teve no clima da companhia e no moral de seus funcionários e comenta o que fez para aumentar a geração de caixa e reduzir os custos e a dívida bilionária. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

Em 2019, quando o sr. assumiu a presidência da Petrobras, havia mudado muita coisa em relação ao que havia vivido na companhia em 2015 e 2016, no auge das investigações da Lava Jato sobre o petrolão, como integrante do conselho de administração?

Houve uma mudança grande. Até porque o conselho do qual eu participei tomou várias medidas para que se restabelecesse a governança na companhia. Por exemplo: antes, o conselheiro recebia as pautas na hora da reunião. Havia descontrole total sobre o que seria avaliado. Então, nós definimos que as pautas teriam de ser remetidas ao conselho com, no mínimo, cinco dias de antecedência. Ativamos os comitês do conselho para nos assessorar, discutir e analisar as questões das diferentes áreas da empresa. Criamos um comitê formado por gerentes para examinar previamente os projetos que estavam sendo desenvolvidos, acrescentando um degrau na estrutura de governança corporativa, para que eles também se engajassem no processo. E isso não havia sido desmontado em 2019. Ao contrário. Os controles foram aperfeiçoados. Então, eu diria que, em 2015 e 2016, o principal problema da Petrobras era de governança. Em 2019, o principal problema que eu encontrei era de gestão.

Agora, como estava o clima na Petrobras em 2019? Havia melhorado em comparação ao período em que o sr. foi conselheiro?

Havia melhorado. Em 2019, não tinha mais ninguém sendo preso, ninguém sendo acusado de corrupção. Mas os controles que foram adotados para prevenir a repetição dos problemas registrados na Petrobras foram rígidos demais. Acredito que houve um exagero nisso. Isso gerava uma certa rigidez no processo decisório, engessava a companhia.

E o moral do pessoal, como estava quando o sr. assumiu o comando?

A Petrobras havia sofrido uma crise financeira e uma crise moral. Mas a grande maioria dos funcionários foi acusada injustamente. Alguns, evidentemente, cometeram crimes, mas 99% eram gente boa. Era gente que talvez não fosse a ideal do ponto de vista da performance, mas era gente honesta, trabalhadora, que não teve nada a ver com tudo o que aconteceu lá. Naquela época, o pessoal ficava envergonhado até de mostrar o crachá na rua quando saía do prédio da companhia. De repente, uma empresa que tinha sido motivo de orgulho havia virado motivo de vergonha. Agora, na minha época, isso já havia cessado. O grande problema quando eu assumi a presidência era a falta de confiança que havia entre os funcionários, o denuncismo, as denúncias anônimas, coisas desse tipo. Certos indivíduos se locupletavam daquela situação para perseguir colegas com quem tinham diferenças do passado.

No livro, eu conto um episódio que revela muito de como isso se manifestava. Um dia o elevador parou num andar e quando a porta abriu eu vi uma placa em que estava escrito: “Apuração de denúncias”. Eu falei: “Não, isso aqui não. Isso é uma empresa, não é uma delegacia de polícia”, e pedi para mudarem urgentemente o nome daquela área.

A que tipo de denúncia o sr. se refere? O sr. pode dar um exemplo de como isso acontecia na prática?

Houve um caso, por exemplo, em que um funcionário foi denunciado internamente, porque disse que o aumento do endividamento levava a um pagamento maior de juros, coisas dessa natureza. Nós detectamos quase duas mil pessoas com processos de investigação contra elas. Muitas haviam sido declaradas inocentes. Outras, com evidências não conclusivas, não tiveram culpa provada contra elas, mas simplesmente desconheciam o resultado do processo.

Então, tomei a iniciativa de fazer uma carta de próprio punho contando a elas a verdade, dizendo “olha, não existe nada contra você” e pedindo desculpas a cada uma delas. Achei que era importante pedir desculpas para essa gente. Eu costumava brincar dizendo que elas estavam tomando Rivotril desnecessariamente. O grande risco de se trabalhar numa estatal é a denúncia. É processo por isso, por aquilo, ações judiciais. Procuram limitar suas atividades com ações judiciais, para que você fique intimidado e não faça nada.

No livro, o sr. diz que a Petrobras recuperou R$ 7 bilhões em propinas pagas em gestões anteriores, nos governos do PT, para obtenção de contratos com a empresa. O que a Petrobras fez com esse dinheiro?

Até na minha gestão foi devolvido um volume substancial de recursos à Petrobras. Uma parte relativamente pequena desse montante nós destinamos ao combate dos efeitos da covid. Fizemos doações para hospitais e governos estaduais e municipais. No livro, eu menciono até o caso da usina de oxigênio que nós doamos para Manaus, procurando utilizar um dinheiro que estava nas mãos de criminosos para salvar vidas. O restante dos recursos entrou no caixa da Petrobras para financiar suas atividades.

No início da nossa conversa, o sr. afirmou que o principal problema da Petrobras quando o sr. assumiu a presidência era de gestão. Qual foi o quadro que o sr. encontrou lá? O que mais lhe chamou a atenção?

Havia principalmente dois problemas. O primeiro era a falta de preocupação com custos. Isso não era algo que tinha a ver com corrupção e tal. Era simplesmente má gestão, má gestão típica de uma empresa estatal como a Petrobras. E o segundo ponto era a despreocupação com a alocação de recursos. Os recursos eram alocados sem que houvesse uma análise rigorosa do retorno que haveria sobre o capital investido. Não se tinha bem ideia de como fazer isso. Havia também outras questões, que são transversais, como a falta de preparo da companhia para a revolução digital. E a existência de uma cultura que tinha aspectos bons, mas tinha outros muito ruins, como a crença de que a Petrobras era a grande indutora do desenvolvimento econômico do Brasil.

Por que, na sua avaliação, essa crença é algo negativo para a Petrobras?

Existe uma diferença para uma empresa entre querer ser a melhor e querer ser a maior no que ela faz. Na Petrobras, prevalecia a visão de que ela tinha de ser a maior, para ser indutora do desenvolvimento, para gerar o máximo possível de empregos, em vez de colocar o foco na exploração e na produção de petróleo e gás, principalmente em campos ultraprofundos, onde ela é a melhor do mundo. Era uma agenda política e não empresarial, que gerou resultados muito ruins para a companhia.

Em 2019, a Petrobras já não estava querendo fazer tudo com as próprias mãos (como ocorreu durante nos governos do PT), mas ainda existiam resquícios do que foi feito no passado. Por exemplo, o investimento em usinas de energia renovável, de baixíssimo retorno, distribuição de gás natural. A Petrobras era uma grande distribuidora de gás natural no Uruguai. Era uma operação pequena, mas que gerava prejuízo. Também havia expandido suas operações para a África. Esse gigantismo que tomou conta da Petrobras é algo que está entranhado na cultura dos funcionários.

Se a gente fosse adaptar um termo usado antigamente pela esquerda para se referir à Light, chamada de “polvo canadense”, pela sua origem e pela atuação em diferentes setores, poderia dizer que a Petrobras havia se tornado uma espécie de “polvo brasileiro”, por ter expandido suas atividades para a petroquímica, a construção naval, a produção de fertilizantes, entre outras áreas, em todo o País.

Fora as atividades desenvolvidas no exterior. A Petrobras tinha a célebre refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, uma refinaria no Japão, uma operação de petróleo no Golfo do México, distribuição de combustíveis em vários países da América do Sul, apenas para citar algumas delas. Eram todas operações que não geravam retorno e, muitas vezes, até exigiam caixa da Petrobras. Agora, na minha época, não houve mais nenhuma expansão nessa direção, mas muitos daqueles ativos continuavam lá quando eu assumi a presidência da empresa.

No livro, o sr. afirma que a visão de que a Petrobras deve ser uma ferramenta de política industrial está por trás desse gigantismo da empresa, mas não trouxe bons resultados para o País. O que o leva a dizer isso?

Essa questão da política industrial persegue o Brasil há muitos anos. No final dos anos 1940, houve um debate célebre entre o economista Eugênio Gudin e o industrial paulista Roberto Simonsen. O Gudin defendia a exploração das vantagens competitivas do Brasil, que é uma fortaleza de recursos naturais. Você vê hoje a força do agronegócio brasileiro. Você poderia ter empresas de petróleo mais fortes. A mineração também poderia ser muito mais forte. Mas o Roberto Simonsen defendia a proteção à indústria nacional, que acabou prevalecendo depois, para promover o desenvolvimento industrial. E isso sempre foi feito no País. E qual o resultado que a gente obteve? O Brasil tem uma indústria pequena.

Uma vez eu vi uma pessoa do governo falando que o pré-sal seria desenvolvido na medida em que a indústria local tivesse capacidade de suprir os equipamentos demandados pela sua exploração. O petróleo do pré-sal, na sua visão, não valia nada. O que valia era a capacidade da indústria local de fornecer equipamentos para a Petrobras. Mas isso prejudicava a companhia, fazia com que ela tivesse custos elevados, levava ao atraso de projetos e, às vezes, ainda a obrigava a usar equipamentos de má qualidade. As regras de conteúdo local, particularmente as adotadas de 2005 a 2016, foram extremamente danosas para a Petrobras e para os investimentos em petróleo no Brasil. Se a Petrobras fosse a grande indutora do desenvolvimento, como eles dizem, ela teria gerado um resultado melhor, porque nos últimos 40 anos o Brasil quase não cresceu e a indústria, em vez de se desenvolver, encolheu.

O sr. afirma também que, além de o gigantismo da Petrobras estar associado a essa visão de que ela deve ser indutora do desenvolvimento, há também um forte sentimento nacionalista ligado à empresa. De que forma, na sua opinião, isso tem afetado a companhia ao longo dos anos?

O nacionalismo fervoroso acabou transformando a Petrobras numa espécie de fetiche. Em nome disso, muitos abusos foram cometidos e quase a destruíram. Para mim, essas crenças não brotaram do nada. São derivadas da doutrinação promovida por nacionalistas que passaram pela empresa. Originaram-se, em última instância, de atitudes de governantes que procuraram usar a Petrobras como instrumento político, para torná-la uma ferramenta de estímulo a outros setores da economia brasileira. O nacionalismo arraigado na cultura da Petrobras fez com que vários de seus funcionários defendessem a política de conteúdo local, que restringia os fornecedores internacionais da empresa. Agora, a julgar pelos resultados alcançados ao longo de décadas, acho improvável que o Estado seja capaz de descobrir boas ideias para investir e tenha a agilidade para executar corretamente planos de investimento.

O sr. fala no livro que as visões da esquerda e dos militares de direita em relação à Petrobras são semelhantes. O que explica isso?

É que eles têm a mesma concepção de nacionalismo, que o Roberto Campos chamava de “visão nacionaleira”. Além da posição em relação à Petrobras, a gente observa essa identidade em vários episódios da nossa história recente, como na Lei de Reserva de Mercado da Informática, aprovada no governo Sarney, em meados dos anos 1980, que foi resultado de uma união de militares de direita com políticos de esquerda. Apesar das diferenças políticas, as ideias econômicas da esquerda tendem a convergir com as de muitos militares, resumidas a um nacionalismo estatizante como o observado na campanha “O Petróleo é Nosso”, lançada no fim dos anos 1940.

Assim como a Petrobras teve uma participação importante de políticos de esquerda e seus aliados na sua administração, teve também uma presença relativamente grande de militares na sua gestão. Pela natureza da carreira, militares brasileiros, principalmente do Exército, tendem a associar a intervenção estatal na economia ao patriotismo e à segurança nacional, algo que não notei em meu relacionamento com oficiais de Marinha. Os conservadores brasileiros, certos segmentos da direita, principalmente esses vinculados aos militares e à direita tradicional, se encontram com a esquerda nessa questão. O projeto de criação da Petrobras, por exemplo, não era de uma empresa estatal, mas acabou sendo graças a um partido de direita da época, a UDN. Conservadores não são necessariamente liberais.

Como o sr. enfrentou essa questão na gestão da Petrobras?

Nós adotamos um conceito de “dono natural”, de preservar aqueles ativos que a Petrobras, melhor que ninguém, consegue administrar e gerar lucro. E decidimos dar prioridade ao pré-sal. No pré-sal, a Petrobras tem a tecnologia, tem os recursos humanos, tem alguns dos melhores engenheiros de petróleo e geólogos do mundo. Então, nós resolvemos vender aqueles ativos dos quais não éramos “donos naturais”, coisas como produção de fertilizantes, campos terrestres, campos em águas rasas e alguns campos em águas profundas, que haviam perdido atratividade e não geravam mais o retorno do passado. Coisas que outros sabiam fazer melhor do que a gente. Por que a gente diz que “outros sabiam fazer melhor do que a gente”? Porque os ativos se tornaram pequenos demais para merecer nossa atenção. Nossa estrutura de custos era elevada para tocar um ativo de pequeno porte. Essa foi a nossa direção na alocação eficiente de recursos, para obter o máximo dos ativos existentes, com base em evidências, em números, em critérios rigorosos de avaliação. Nós procuramos acabar com os drenos que continuavam a consumir o capital da companhia, para torná-la mais saudável.

Quais foram os resultados obtidos com essa estratégia?

Nós conseguimos vender a maior parte dos ativos que queríamos vender. O que deixamos de fazer foi a venda das refinarias. A gente conseguiu vender poucas refinarias. Uma refinaria grande foi a refinaria de Mataripe. Vendemos também outras três refinarias, a de Manaus, a refinaria de xisto, no Paraná, e a de Fortaleza. A venda da refinaria de Fortaleza, porém, acabou sendo impugnada pelo atual governo. Mas não conseguimos vender as demais, principalmente porque primeiro teve a covid, que nos impediu de abrir as refinarias para receber visitas de interessados, e segundo, porque começou todo aquele falatório sobre interferência do governo Bolsonaro nos preços de combustíveis que assustou os compradores.

Além das refinarias, que outros grandes ativos foram vendidos pela Petrobras nesse período?

Um caso emblemático foi a venda da BR Distribuidora (atual Vibra Energia). Foi a primeira privatização de uma estatal no Brasil feita através do mercado de capitais. Foi um marco histórico. A refinaria de Mataripe, na Bahia, a mais antiga do Brasil, construída pelo Conselho Nacional de Petróleo em 1950, antes da criação da Petrobras, também foi a primeira refinaria do País a ser privatizada. Houve também a venda de campos menores, maduros, que criou uma nova indústria de produtores independentes de petróleo, beneficiando o norte e o nordeste do Brasil. A Petrobras havia praticamente abandonado esses investimentos, porque não faziam mais sentido, e a venda acabou ajudando as comunidades onde essas operações se localizam. Vendemos também a TAG (Transportadora Associada de Gás), a Liquigás e a nossa participação de 51% na Gaspetro. No total, a Petrobras obteve US$ 26 bilhões com essas vendas. Além disso, fechamos a empresa de fertilizantes Araucária Nitrogenados, que havia sido comprada da Vale e todos os anos deu prejuízo. Tentamos vender, mas não conseguimos. Tentamos arrendar, mas não conseguimos. Então, decidimos fechar.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva critica a sua gestão na Petrobras por ter fatiado a empresa com essas vendas todas, para facilitar sua privatização depois. Como o sr. vê essa essa afirmação do presidente Lula?

Eu acredito que isso é um equívoco de alguém que tem como filosofia fazer da Petrobras a maior empresa do País, independentemente dos custos, do retorno para os acionistas, entre eles o Estado brasileiro, que detém o controle da companhia. Nós procuramos fazer com que a Petrobras trabalhasse a favor dos acionistas, sem encolher a empresa. A Petrobras pode até ter reduzido seus campos de atuação, mas produziu mais petróleo em 2020 do que produz hoje. Então, como é que ela encolheu? Nós fomos ao leilão de petróleo de 2020 e pagamos US$ 17 bilhões para a licença de operação do campo de Búzios, o maior campo de petróleo offshore do mundo. Foi a Petrobras que fez isso. As pessoas falam as coisas sem se basear em evidências. E aí vale tudo. Quando você melhora a empresa, dizem que melhorou para privatizar. Mas tudo bem. É provável que tenha sido isso mesmo. Uma empresa melhor vai ser mais facilmente privatizada e vai gerar um valor maior para quem estiver vendendo.

Como ficou a dívida da companhia, que chegou a US$ 132 bilhões em 2014, a maior dívida corporativa do mundo, apenas quatro anos depois de a Petrobras também ter realizado a maior operação global de capitalização, em 2010?

Quando eu as sumi a presidência da Petrobras, a dívida tinha diminuído, para US$ 91 bilhões. A empresa não vivia mais uma situação de crise e tinha relativa facilidade para ir ao mercado financeiro internacional captar recursos. Mas a situação ainda era preocupante. E o que se pagava de juros era muito alto. Então, o que nós fizemos foi trabalhar para reduzir o endividamento, mas de forma inteligente, sem sair vendendo ativos só para gerar recursos. Quando eu saí da Petrobras, em abril de 2021, a dívida havia caído para R$ 32 bilhões, o equivalente a 1/3 do que era em 2019 e a 25% do que era em 2014.

Parte dos quase US$60 bilhões que tivemos de redução de dívida em pouco mais de dois anos, veio da venda de ativos e parte da redução de custos. Nós conseguimos reduzir o quadro de funcionários em 15 mil pessoas nesse período, das quais 11.500 saíram por meio do PDV (programa de demissão voluntária) que nós lançamos. Entre 2014 e 2021, a Petrobras diminuiu o seu quadro em 33 mil funcionários, de 78 mil para cerca de 45 mil. Além do fechamento de escritórios no exterior, fechamos nove prédios administrativos da Petrobras, principalmente no Rio de Janeiro. A Petrobras ainda pagou uma parte da dívida de US$ 18 bilhões que tinha com o Banco de Desenvolvimento da China, então seu maior credor, com muita dificuldade, porque eles não queriam antecipar a quitação, e zeramos a dívida com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), porque não fazia sentido uma estatal brasileira emprestar dinheiro para outra estatal. Até porque a Petrobras tem acesso ao mercado financeiro internacional e não precisa do BNDES. O BNDES deve usar seus recursos para emprestar para empresas privadas, para projetos privados, e não para uma estatal como a Petrobras.

A que o sr. atribui o fato de a Petrobras ter feito esse empréstimo junto ao BNDES na época?

A Petrobras se endividou muito, queria abraçar o mundo com as mãos.

Qual foi o impacto de tudo isso nos resultados? Como ficou o lucro da Petrobras na sua gestão?

A geração de caixa, que reflete melhor o desempenho do que o lucro, explodiu. O lucro é uma variável contábil. Em 2020, por exemplo, o lucro foi até relativamente pequeno, porque eu resolvi fazer uma baixa de ativos. Apesar de ter havido uma grande baixa de ativos em 2014 e em 2015, ainda havia ativos que estavam supervalorizados e nós utilizamos novas hipóteses de preço para atualizar seus valores. Só que isso, como eu disse, é algo puramente contábil. É como se eu dissesse “olha aqui, esse iPhone está nos meus livros por US$ 1 mil, mas vou falar “escreve aí que ele vale US$ 200″ para o contador. Aquilo não afetou em nada a companhia. Por isso que eu digo que é bom ter cuidado com o lucro. É muito popular falar no lucro, mas o que conta mesmo, o que paga os salários, os dividendos, os juros e financia a operação é a geração de caixa, é dinheiro.

De novo, o presidente Lula e seus aliados também criticam a sua gestão na Petrobras, por ter obtido lucros excessivos, o sr. e seus sucessores, e por ter promovido uma farta distribuição de dividendos para os acionistas. O que o sr. tem a dizer sobre isso?

Primeiro, não existe lucro excessivo. O lucro é o que ele é. Segundo, os acionistas têm todo o direito de receber dividendos. E o governo, ou o Tesouro Nacional, como acionista da Petrobras, também merece e precisa dos dividendos para pagar sua dívida. Hoje, a dívida bruta do Brasil continua a crescer em relação ao PIB (Produto Interno Bruto). É um problema sério. Então, a Petrobras precisa gerar lucro e pagar dividendos para financiar as atividades do governo e pagar a dívida.

No livro, o sr. fala que, ao assumir o comando da Petrobras, em 2019, foi surpreendido com a estrutura oferecida ao presidente e aos diretores da empresa. O que havia de tão diferente na Petrobras neste aspecto que chamou tanto a sua atenção?

Um exemplo disso foi a existência de um cerimonial, com dez pessoas, só para me atender quando viessem convidados, quando eu fosse a algum lugar ou a algum evento solene, como a posse do presidente da República, e mais sei lá o quê. Coisas desse tipo. Eu achava que cerimonial era uma coisa do Itamaraty, de presidência da República, nunca uma estrutura de dez pessoas para o presidente de uma empresa. Havia dois funcionários cuja tarefa era fazer um briefing para mim de todos os assuntos que seriam discutidos na próxima reunião de diretoria, para eu não ter surpresas. Eu falei: “Eu adoro uma pauta-surpresa, uma ‘pauta-bomba’. Que venham as ‘pautas-bombas’”. Eram funções completamente dispensáveis, que eu eliminei. Eu tinha três secretárias, remuneradas com salários acima do mercado, e nenhuma delas falava inglês. Quando uma secretária precisava falar inglês, tinha de chamar a chefe de gabinete para socorrê-la. Cada secretária tinha sua própria impressora e eu tinha a minha. E cada diretor dispunha de duas secretárias e de dois assessores para ajudar na preparação da reunião semanal da diretoria.

O que mais havia lá na estrutura disponível para o presidente da Petrobras que o sr. achou exagerado?

Havia, por exemplo, uma assessora só para tomar nota do que fosse tratado nas minhas conversas com pessoa de fora. Havia também seis carros blindados para me atender no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Brasília, dois em cada cidade, com três equipes de segurança e de motoristas disponíveis 24 horas por dia, sete dias por semana. Era um exagero. Uma vez eu cheguei no elevador e vi que tinha um cabineiro. Eu perguntei: “O que você está fazendo aqui?”. Ele respondeu: “É que vão chegar autoridades e eu estou aqui para atende-las”. Na época em que fui conselheiro da Petrobras, em 2015 e 2016, havia até um elevador exclusivo para o presidente da companhia, mas isso já havia sido abolido quando eu voltei, em 2019. Quando o presidente chegava ou saía da empresa, o elevador era destinado exclusivamente para ele. Ninguém mais podia entrar.

Como o sr. lidou com tudo isso? O sr. manteve essa estrutura ou fez um enxugamento geral?

Muita coisa era absolutamente dispensável. O cerimonial, por exemplo, foi eliminado. No caso dos dois assessores encarregados de me passar um briefing antes das reuniões de diretoria, só tive um encontro com eles. Depois, acabei com isso. Esse papel passou a ser desempenhado pela chefe de gabinete, que me enviava algumas anotações, num processo rápido e eficaz. Em relação às secretárias, passei a ter apenas duas, com remuneração de mercado, e exigi inglês fluente. Em lugar das quatro impressoras, para elas e para mim, passamos a ter somente uma, compartilhada.

No caso dos diretores, cada um ficou com apenas uma secretária e um assessor, e para cobrir eventuais ausências foi criado um pool de secretárias. A assessora que tomava nota nas reuniões, que não pertencia aos quadros da Petrobras, foi dispensada. Acabamos também com aquela coisa de colocar um cabineiro para atender autoridades que visitavam a Petrobras. Na época eu falei: “Pode vir até o Papa aqui que a gente não vai ter cabineiro para atendê-lo”. Cortei também os carros com serviços de segurança em São Paulo e em Brasília. Quando ia para lá, eventualmente a empresa alugava um carro com um único segurança. Queria fazer a mesma coisa no Rio e substituir por Uber, mas me convenceram de que não devia fazer isso. Então, no Rio, o serviço foi mantido.

Agora, considerando o tamanho da Petrobras, isso não era algo muito pequeno para o sr. se preocupar?

De fato, em uma empresa tão grande como a Petrobras eram coisas pequenas, mas você deve começar pelas coisas pequenas. Todos os que trabalhavam no gabinete da presidência recebiam um adicional de salário. Desse modo, a diminuição daquela estrutura já eliminava custos, mesmo sem demissões. Realmente, não fazia sentido. A mensagem transmitida para os empregados era muito ruim.

No livro, há até uma citação do general Colin Powell, que era um estrategista e foi o primeiro secretário da Defesa negro dos Estados Unidos, sobre essa questão. Ele dizia que você tem de começar atacando as pequenas coisas e depois, evidentemente, ir para as grandes – e eu concordo totalmente com ele.

O sr. diz no livro também que, quando chegou na Petrobras, se deu conta de que ela funcionava como uma “sociedade de castas”, mesmo nos governos do PT, porque o presidente e os diretores não se misturavam com os demais funcionários. Na prática, como isso se manifestava?

De várias formas. Alguns empregados, alguns gerentes, de longa data, falavam para mim: “Poxa, eu estou aqui há vinte, trinta anos e nunca havia apertado a mão do presidente dessa companhia antes. Outra coisa: existia um restaurante, num salão, que só tinha três mesas e era restrito aos diretores e aos conselheiros. Na época, cada refeição custava R$ 250 que eram pagos pela Petrobras. Os funcionários não tinham acesso àquilo. Então, era uma coisa extremamente segregada. Um sindicalista, que hoje é uma pessoa importante no sindicato dos petroleiros, me disse o seguinte: “Aqui, quando acontece um problema, quem ‘paga o pato’ é o operador. O gerente nunca é punido”. Isso tudo refletia essa estrutura de castas. As pessoas que estão na operação não pertenciam à casta superior. Elas é que pagavam a conta se houvesse algum problema, enquanto os chefes eram sempre isentos.

O sr. pode dar um exemplo concreto desse tipo de “blindagem” que os chefes tinham na Petrobras?

Uma vez, a companhia perdeu US$ 30 milhões numa operação na China e a recomendação foi no sentido de que o operador fosse demitido. Para tentar aliviar a barra do responsável pelo problema, disseram: “Ah, não, ele era interino na posição”. Aí eu retruquei: “Quem autorizou a operação? Se ele era interino, tem de ser responsabilizado. Se não quiser assumir a responsabilidade, não aceite a interinidade”. O gerente tem de ser demitido também, porque ele é o responsável e não é só o operador.

Outro ponto nessa mesma linha que o sr. aborda no livro são os desperdícios que ocorriam, de forma geral, na Petrobras. A que tipo de desperdício o sr. se refere?

Olha, na Petrobras não havia uma preocupação com custos nem com a alocação eficiente de recursos. A resistência a cortes de custos era evidente, até mesmo por parte de diretores que supostamente deveriam estar conscientes da gravidade da situação. Então, existia muito desperdício, das coisas pequenas às coisas grandes. Nós descobrimos praticamente 50 mil toneladas de sucata nos pátios, que nós logo colocamos à venda. Depois de ter deixado a empresa, recebi de um gerente, orgulhoso da missão cumprida, uma foto do pátio de uma refinaria, anteriormente entulhado, completamente limpo. Um dia eu entrei em um salão no prédio da Petrobras que tinha 22 funcionários, cada um com sua própria impressora. Na minha gestão, nós devolvemos 1.500 impressoras. Quando propus o fechamento de um escritório em Nova York, mantido somente para o relacionamento com investidores, fui surpreendido com o argumento “o escritório é nosso”, como se ele fosse propriedade da diretoria.

Como outras grandes empresas, a Petrobras tinha uma universidade corporativa. Só que seu funcionamento se desviava muito do que uma universidade corporativa deve ser. Os professores eram contratados em tempo integral. O problema é que boa parte desses professores, que eram funcionários da Petrobras, dava menos de 50 horas de aula por ano. Eu fui professor da Fundação Getúlio Vargas, na pós-graduação. O professor lá tem de dar, no mínimo, 120 horas de aula por ano e produzir pesquisas, e não menos de 50 horas, como acontecia na Petrobras. Além disso, a maior parte dos cursos era voltada para geopolítica. A parte voltada para compliance e para a área de petróleo e gás era pequenininha. Agora, se a Petrobras é uma empresa de petróleo e gás, como é que pode ser assim? Então, a Universidade Petrobras passou a trabalhar como universidade corporativa de fato, mais enxuta, mais eficiente, voltada para as áreas de petróleo e gás.

O sr. mencionou o caso do escritório de Nova York, mas pelo que o sr. fala no livro isso era algo que se repetia em várias outras cidades pelo mundo, certo?

No total, quando eu cheguei na Petrobras, a companhia tinha 18 escritórios fora do Brasil. Os expatriados compunham a maioria do contingente de colaboradores dos escritórios, o que destoava das práticas regulares de empresas globais, que procuram maximizar o número de empregados locais e minimizar o contingente de expatriados. Em alguns casos, o custo de um expatriado chegava a ser cinco vezes maior do que o de um empregado local, por causa dos benefícios excessivos e da dupla tributação do imposto de renda.

Quando eu deixei a companhia, em abril de 2021, haviam restado só três escritórios no exterior, em Houston, Roterdã e Cingapura. Nos Estados Unidos, além do escritório de Nova York, que nós fechamos, havia também o de Houston, que decidimos manter, porque Houston é uma espécie de capital mundial do petróleo. Só que era um escritório de seis andares, que custava US$ 5,5 milhões por ano. A gente conseguiu reduzir a nossa base em Houston para um escritório de meio andar, custando menos de US$ 500 mil por ano. Na Europa, apesar da relevância de Londres, decidimos concentrar as atividades em Roterdã, que era uma opção bem mais barata, inclusive pela eliminação da duplicidade de atividades operacionais. Ao mesmo tempo, reduzimos o número de expatriados em cerca de 70% e aumentamos o número de empregados locais, ganhando diversidade cultural e de experiências profissionais.

Mesmo no Brasil, pelo que o sr. diz no livro, havia muito desperdício com imóveis na Petrobras, que consumiam milhões de reais por ano. Que exemplos o sr. pode dar de desperdícios com imóveis no País e o que fez para resolver o problema?

A Petrobras alugava um prédio na Avenida Paulista, por exemplo, com dependências para reuniões de diretoria e do conselho de administração, com muitos funcionários administrativos que podiam ser removidos para outros lugares. O custo por posto de trabalho era o mais alto entre os prédios da Petrobras. Eu não tenho prova disso, mas me foi falado que a razão da existência desse prédio grandioso, entre outras coisas, era para as reuniões com o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, quando ocupava a presidência do conselho, porque ele morava em São Paulo. Uma das primeiras medidas que nós tomamos, ainda no primeiro semestre de 2019, foi desativar esse prédio alugado. Alguns funcionários retornaram para onde deveriam estar, nas operações, e outros passaram a trabalhar no sistema de escritórios compartilhados. Evidentemente, as instalações para a diretoria e para o conselho em São Paulo também eram totalmente dispensáveis. Conselho de administração e diretoria têm de se reunir no Rio de Janeiro, onde é a sede da companhia.

Havia outros grandes imóveis da Petrobras que o sr. considerava desnecessários para as necessidades da empresa.

Havia o prédio de Vitória, onde eu estive duas vezes, situado na Praia do Canto, que é a área mais cara da cidade. O prédio, que não era de propriedade da Petrobras e pertencia à Igreja Católica, foi construído sobre uma pedra, num terreno de 83,4 mil metros quadrados. Os vidros eram importados da Bélgica e as persianas respondiam automaticamente à variação de luminosidade do dia. Se fosse um dia de muita luminosidade, as persianas baixavam automaticamente e vice-versa. Havia um auditório para 450 pessoas, maior do que o que nós tínhamos no prédio-sede da Petrobras. Tinha até camarim. Era algo tão ocioso que, na época, eu falei, brincando: “A gente deveria alugar para a Globo fazer o Domingão do Faustão aqui”.

Em Salvador, a Petrobras tinha um prédio de 22 andares, a famosa Torre da Pituba, com uma garagem para 2.700 vagas. Era o maior estacionamento da cidade. Nenhum shopping center tinha um estacionamento tão grande. A construção foi concebida para ter escritórios capazes de receber até 5.000 funcionários. E só tinha dois andares ocupados. O resto ficava vazio. O prédio é do Petros, o fundo de pensão dos funcionários da Petrobras. O Petros construiu, colocou o dinheiro dos segurados lá e alugou para Petrobras. O locador, no caso o Petros, assumiu o compromisso de arcar com os custos de construção, enquanto o locatário, a Petrobras, de absorver os custos referentes aos aluguéis. E, se nós quiséssemos nos ver livre dele, acabar com o contrato de aluguel, de 30 anos, teríamos que pagar a Petros todos os aluguéis ao longo do contrato até 2046, que daria mais ou menos R$ 1 bilhão. Eu sei que, na época, era um valor equivalente ao de prédio na avenida Faria Lima, em São Paulo, no centro financeiro do País.

Não deu para fazer algum tipo de renegociação para reduzir os gastos da Petrobras com os prédios de Salvador e Vitória?

Fizemos um acordo com o Petros e conseguimos obter uma economia de aproximadamente R$ 35 milhões anuais. A gente programou também a desocupação do prédio. A ideia era que, em alguns meses, parte dos empregados fossem transferidos para um prédio em Taquipe, a pouco mais de uma hora de Salvador. O restante iria para outras unidades da Petrobras fora da Bahia, sem nenhuma demissão. Só que houve uma espécie de rebelião, com ameaças de suicídio e denúncias de assédio moral ao Ministério Público do Trabalho. Diversos empregados que trabalhavam na Torre da Pituba alegavam algum motivo para não deixar de morar e trabalhar em Salvador. O MPT nos pressionou bastante. No fim, embora considerássemos um contrassenso, porque quando o empregado é contratado ele aceita trabalhar no local de interesse da empresa, decidimos que um acordo seria melhor do que o litígio judicial. A desocupação total ficou, então, para o início de 2021, frustrando nosso plano inicial. Mas, no fim, o objetivo foi alcançado.

Já em Vitória, a coisa foi mais complicada. O custo da obra em terreno alheio foi financiado pela emissão de títulos de dívida de longo prazo. Tentamos negociar o pré-pagamento da dívida, com desconto, é claro, mas os credores não aceitaram e tivemos de manter o prédio nas condições originais.

Agora, além de todos esses exageros e desperdícios, outro ponto polêmico, que já foi tema de muitas reportagens e que o sr. também aborda no livro, está relacionado aos privilégios dos funcionários da Petrobras. Durante sua passagem pela empresa, que privilégios lhe pareceram mais descabidos?

Tem um, por exemplo, que é totalmente fora da curva. Na Petrobras, a valor da hora extra é equivalente a 100% da hora trabalhada no horário normal, o dobro dos 50% determinados pela legislação trabalhista. Isso não existe nas empresas privadas nem em outras estatais. Nós identificamos que, em algumas operações, principalmente nas refinarias, a hora extra havia se transformado num negócio espetacular, porque alguns funcionários às vezes chegavam a ganhar praticamente um salário adicional com hora extra. Não havia nenhum tipo de controle. Havia adicionais de todo tipo, como os pagos para funcionários que trabalhavam no estado do Amazonas e para os que fossem transferidos de cidade, que recebiam um valor a mais por mês durante quatro anos, além do custeio da mudança pela empresa.

O caso do trabalho a bordo de plataformas é semelhante. Nós checamos com empresas multinacionais e normalmente o funcionário trabalha 14 dias na plataforma, em alto mar, e folga 14 dias. Na Petrobras, são 14 dias de trabalho e 21 dias de folga. Vários empregados possuíam negócios próprios que administravam durante as três semanas de folga. Quando abordamos a questão da universidade corporativa, nós vimos que a companhia concedia muitas bolsas no exterior. Bastava o funcionário pedir e elas eram concedidas, sem nenhum critério. Geralmente, a preferência do pessoal era por cursos de curta duração na Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Era uma forma de polir o currículo, mas um desperdício de recursos para a companhia

Na sua gestão, o sr. conseguiu acabar com esses privilégios?

A gente conseguiu cortar alguma coisa, porque grande parte disso dependia do acordo coletivo e nisso era mais complicado de mexer. Nós conseguimos tirar a questão dos quatro anos remuneração pela mudança de cidade. Acabamos também com a remuneração extra no Amazonas e criamos um banco de horas para acabar com o excesso de horas extras. No plano de saúde, que era muito caro, nós mudamos o modelo de gestão. Antes, eram os próprios funcionários do RH que geriam o plano de saúde. Nós constituímos uma instituição privada sem fins lucrativos, agregamos alguns profissionais da área de gestão de plano de saúde e reduzimos substancialmente os custos. E melhoramos a qualidade também. Nós identificamos uma completa falta de controle no plano de saúde. Um caso que ficou famoso foi o dos dentistas da Bahia que faziam implantes dentários. Tinha dentista que recebia dois milhões por ano da Petrobras só para fazer implante dentário. E. geralmente, os implantes dentários eram feitos em aposentados, mais idosos. Acho que falavam para eles “olha, você não quer ficar com um sorriso igual ao do Bonner, da TV Globo?”. Eles deviam ser convencidos a fazer o implante para ter um sorriso bacana, e a Petrobras pagava a conta. Ao mesmo tempo, o plano de saúde era o campeão de reclamações dos funcionários.

Na sua gestão, vocês identificaram que os funcionários da Petrobras não pagavam há anos nem a parcela de 30% que lhe cabia nas mensalidades do plano de saúde. Eles passaram a pagar?

A partir de 2019, eles passaram a pagar. Quando começamos a cobrança, houve gritaria, mesmo que a parcela de 30% que cabia aos funcionários estivesse prevista no acordo coletivo. Depois, houve também uma mudança na relação de custeio do plano negociada com o sindicato. Em 2021, ela passou de a ser de 60% para a empresa e 40% para os funcionários, em vez dos 70% e 30% definidos anteriormente. Estava prevista também uma nova mudança em 2022, pela qual a proporção dos funcionários e da empresa nas mensalidades passaria a ser a mesma, de 50%, mas houve uma decisão do Congresso que brecou a alteração e a contribuição dos empregados parou nos 40%.

O sr. não usa a palavra “aparelhado” no livro, mas pelo que conta o RH era de certa forma “aparelhado” pelo sindicato nos governos do PT, no sentido de que trabalhava para manter e ampliar os privilégios dos funcionários, inclusive apoiando a concessão de reajustes salariais bem acima da inflação. O sr. diz também que, para as promoções, contava muito a relação do funcionário com o sindicato e fala que a intranet da Petrobras era dominada por sindicalistas, trazendo críticas à administração, narrativas falsas, coisas do gênero. Como estava o RH quando o sr. chegou a Petrobras? Ainda era aparelhado?

O RH era aparelhado, mas no passado, até 2016, antes da minha época. Durante 12 anos, o gerente de RH era um militante sindical e os principais cargos eram ocupados por pessoas ligadas ao sindicato. A nomeação para cargos de confiança era feita por amizade. Então, era uma coisa que não podia funcionar bem. Depois, mudou. Só que até a nossa gestão o RH era passivo. Essas questões da intranet que você mencionou, das pressões, da falta de meritocracia permaneceram. Empregados sem a necessária qualificação ocupavam gerências importantes. O RH também referendava muito as demandas dos funcionários nos acordos coletivos, sem questionamento, sem negociação. Como eu falei, era passivo. E o que nós fizemos foi mudar tudo isso.

Que mudanças ocorreram na área de pessoal da Petrobras na sua gestão?

Numa companhia em que a meritocracia não era popular, não havia um programa de remuneração variável, ancorado em métricas de produtividade. Na Petrobras, a questão não era incentivar a eficiência, mas redistribuir a renda. Durante anos, o bônus era a participação nos lucros: todos ganhavam a mesma coisa, numa socialização de benefícios. Os empregados com salário mais baixo recebiam um múltiplo dos salários, mas isso não se aplicava para os mais graduados. Embora existissem muitos funcionários que tivessem uma atuação meritória, a bonificação era baseada na chamada volumetria, como as empresas soviéticas faziam. Bastava atingir uma meta de produção e você ganha uma remuneração extra.

Nós estabelecemos um programa de remuneração variável baseado em várias métricas e passamos a remunerar as pessoas pelo valor gerado. Adotamos métricas para o estabelecimento de metas realistas, mas desafiadoras, e passamos a premiar as realizações, o que representava uma mini revolução na Petrobras. Mas, apesar do avanço, os radicais adeptos das velhas ideias se voltaram contra o pagamento do prêmio por performance. Como eu conto no livro, um empregado me enviou uma carta afirmando que só estava aceitando o bônus por estar endividado. Disse que tinha nojo daquele dinheiro, que, segundo ele, tinha sido gerado pela especulação.

Agora, uma palavra sobre a Petrobras no atual governo. Como o sr. está vendo a gestão da empresa no governo Lula e a tentativa de voltar a usar a Petrobras como propulsora do desenvolvimento, retomando atividades fora das áreas que o sr. considera que a companhia é “dona natural”?

Eu acho que errar todos nós erramos, mas repetir os erros é muito ruim, ainda mais sabendo que essas medidas foram negativas, resultaram em prejuízos para a empresa, para o Estado brasileiro. Então, sinceramente, eu discordo completamente.

O sr. acredita que isso pode gerar o mesmo efeito negativo que gerou naquela época?

No curto prazo, não, porque a Petrobrás está forte. A reestruturação que ela sofreu fez muito bem, fortaleceu muito a companhia. A governança também está mais sólida do que era no passado. Os empregados da Petrobras são conscientes de coisas que eles não devem fazer, o que não acontecia antes. Então, é uma situação diferente. Eu acho que dificilmente a Petrobras se verá numa situação como a que ela esteve em 2014 e 2015.

E como o sr. está vendo a atual política de preços da Petrobras?

É uma política pouco transparente, que não se sabe muito bem qual é, mas, em todo caso, não é orientada pelos preços internacionais, o que gera suspeitas de que esteja gerando prejuízos. Mas, como eu disse, o quadro hoje da Petrobras é bem diferente e mais favorável do que era no passado. A volatilidade de preços também caiu bastante em 2023 e 2024. Não há nem uma tendência queda nem uma tendência de alta forte. Isso, de certa forma, diminui os prejuízos causados por uma política que não esteja sendo orientada pela paridade de preços internacionais. Se você quiser subsidiar o preço de um produto, abre uma conta no Tesouro Nacional, seja transparente e subsidie. Agora, não cabe a Petrobras executar políticas públicas. Ela é uma empresa, não um departamento do governo. O que é melhor? Direcionar esses recursos para educação e para saúde ou para subsidiar consumidor de combustível?

No livro, o sr. afirma que a Petrobras, por ser uma empresa de economia mista, vive o eterno conflito entre atender as demandas do governo, que detém o controle, e os acionistas privados. E, para o sr., o governo deveria decidir entre torná-la 100% estatal ou privatizá-la. Como é que é isso? Por que é tão complicado ser empresa de economia mista?

É porque a empresa de economia mista obedece a dois donos, que têm objetivos completamente diferentes. Qual é o objetivo do investidor privado? É maximizar lucros. Qual o objetivo do governo, que é o representante do Estado? Geralmente é atender interesses políticos. Então, na maior parte das vezes, existe um conflito entre o interesse do investidor privado e o interesse do governo. E isso coloca a gestão da companhia em péssima situação, além da burocracia a que a Petrobras tem de se submeter, o que diminui a sua competitividade em relação a empresas privadas que não estão sujeitas a tantas restrições.

Então, temos de decidir: queremos que a Petrobras seja uma empresa estatal? Sim? Então que a União compre as ações que estão nas mãos dos investidores privados. Seria uma decisão desastrosa, porque o Brasil precisa muito desses recursos que estão, inclusive, investidos na Petrobras, para investir em outras coisas. Não faz sentido ter bilhões de dólares investidos numa companhia que desempenhe uma atividade que o setor privado pode fazer muito melhor, gerando benefícios para a economia brasileira.

Agora, o sr. se coloca de forma favorável à privatização da Petrobras. O sr. acredita mesmo, considerando todos esses pendores nacionalistas que envolvem a empresa, dos quais o sr. falou há pouco, isso seria viável?

Eu sou otimista. Acredito que sim. Acho que será viável. Agora, as pessoas precisam ser convencidas. É preciso mostrar com transparência quais seriam os benefícios, como é que seria privatizar da Petrobras. No livro, eu faço uma proposta de realizar a privatização da Petrobras de forma semelhante à da BR Distribuidora, via mercado de capitais, num processo bastante transparente, fácil e sem que a companhia tenha um dono. No caso das cinco maiores companhias de petróleo privadas do mundo, nenhuma tem um dono. Se esse é o grande problema, a Petrobras poderia ser privatizada desta forma, sem ter um dono, tornando-se uma corporation com milhares de donos.

Apesar das dificuldades que o sr. enfrentou no comando da Petrobras, principalmente em relação à política de preços, às vendas de ativos e na gestão do pessoal, valeu a pena?

Valeu a pena, valeu a pena.

O sr. faria tudo de novo?

Faria tudo de novo e mais ainda. Eu consegui fazer tudo o que queria. Evidentemente, houve limitações de tempo, mas não abri mão de nenhum princípio em que eu acredito fortemente.

Mudaria alguma coisa no que fez?

Não, não mudaria.

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