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‘Shale gas’ é a terceira bolha?

29/07/2014

O shale gas, conhecido como gás de “xisto”, é a grande atração energética internacional do momento. Também conhecido como gás de folhelho, ele é um gás não convencional. Muito se tem falado e escrito sobre o shale gas e sua importância na matriz energética dos Estados Unidos, sua rápida escalada e sua proposição como solução energética global. Estariam o petróleo e o gás convencionais condenados ao desuso num futuro próximo? Os atuais preços por milhão de BTU praticados para o gás nos Estados Unidos se sustentariam ao longo do tempo? Seria o próprio shale gas, tal como colocado, econômica e ambientalmente sustentável? Qual seria o impacto desta “nova” energia na economia global?

Importante observar que o Brasil possui o clássico Folhelho Betuminoso Irati, na Bacia do Paraná e o Folhelho Candeias, no campo petrolífero de Candeias, no Recôncavo Baiano, descoberto em 1941 e ainda em produção, típico shale oil (and gas) brasileiro. Modelos de acumulação como esses, existentes em vários sítios ao redor do mundo, inspiraram a ideia do shale gas. A energia não é nova, mas nova é a concepção de explorar (prospectar) e explotar (produzir) sistematicamente petróleo e gás em folhelhos mais difíceis e muito menos ricos do que aqueles como os do campo de Candeias, utilizando no limite todos os avanços tecnológicos hoje disponíveis.

Os folhelhos (shales) são rochas “fechadas” e, para produzir, necessitam de fraturamento hidráulico, uma estimulação externa que consiste na ampliação de suas fraturas naturais. No caso americano, os shales ocorrem numa vasta geografia. Seus campos de gás cobrem áreas extensas e para serem produtivos necessitam de milhares e milhares de poços por campo – só no famoso campo de Barnett Shale, por exemplo, já foram perfurados cerca de 18 mil poços.

A Shell baixou do seu balanço os US$ 24 bilhões investidos e a BHP Billiton pode trilhar caminho semelhante

Tais poços possuem altas taxas de decaimento da produção (depleção), que podem chegar a mais de uma dezena de vezes a dos poços produtores em reservatórios convencionais. A produção é enormemente carente de serviços de intervenção, manutenção e fraturamento, para aumento da vida útil e da vazão do poço. A quase unanimidade dos projetos está abaixo da economicidade, vis a vis a evolução dos preços do gás ali praticados. Os poços são caros e custam entre US$ 3,5 e 9 milhões de dólares e o fraturamento hidráulico é igualmente dispendioso, chegando a cerca de 40% do valor total de cada poço.

A imprensa internacional já chama a atenção para o rápido declínio da produção de importantes campos e para o estresse financeiro de empresas do shale. A Shell baixou do seu balanço os US$ 24 bilhões investidos no shale gas e a BHP Billiton pode trilhar caminho semelhante.

Se o fator econômico é um dos pilares da sustentabilidade pode-se constatar que o shale gas não possuirá um futuro promissor se seus preços não forem ajustados para patamares mais compatíveis com os do gás convencional. A mágica que mantém a bolha de produção nos níveis atuais é o crédito às operadoras, muito crédito, incentivado pelo governo americano a exemplo da primeira bolha, aquela dos cartões de crédito; e da segunda, a das hipotecas. Não se trata aqui de execrar o shale gas, mas de situá-lo de forma mais doméstica e menos globalizada.

Outro problema menos evidente, e mais importante, é aquele relativo ao impacto ao meio ambiente. Os atuais acidentes ambientais relacionados ao shale podem comprometer séria e irreversivelmente sua equação de sustentabilidade. Nas jazidas de shale gas as fraturas geológicas naturais são atravessadas pelos poços horizontais, nos quais são realizados os fraturamentos hidráulicos para aumento da capacidade produtiva. Essas fraturas comunicam com aquíferos e formações geológicas diversas, que vão desde grandes profundidades até a superfície – incluindo cursos d’água e nascentes, e se estendem por dezenas e até por centenas de quilômetros além dos focos de faturamento. Matt Nager/Bloomberg News / Matt Nager/Bloomberg News

Não é difícil imaginar quão instável possa se tornar esse sistema após as violentas intervenções de fraturamento! Vários casos comprovados de contaminações em zonas urbanas e rurais, vizinhas a campos produtores, têm sido registrados nos Estados Unidos. A quantidade de água necessária ao fraturamento e seu descarte representa, por si só, outro problema ambiental superposto.

A questão não é condenar ambientalmente o shale gas, mas alertar para o fato de que a sua produção em níveis exacerbados e sem o devido controle das componentes ambientais pode gerar danos irreparáveis ao nosso planeta.

Longe de ser a panaceia para os males americanos (e mundiais), o shale gas se apresenta como uma solução doméstica, localizada e complementar à matriz energética, cuja produção ainda carece de muito estudo, investimento e regulação. Os Estados Unidos e o mundo, tão cedo, não poderão prescindir do petróleo e do gás convencionais, tanto aqueles oriundos das já consagradas regiões produtoras, como também os que serão produzidos pelas províncias emergentes onde se inclui muito fortemente o Brasil, pós e pré-sal.

No caso particular do Brasil, não obstante as suas grandes reservas convencionais, o país possui vastas regiões de shale, que deveriam ser prospectadas para a sua adequada e futura utilização.

Se de um lado a experiência americana nos levanta os problemas, do outro lado, o shale, com um modelo de produção devidamente regulado e adaptado às condições brasileiras, pode vir a se constituir em um complemento à matriz energética atual, a exemplo do etanol, da energia eólica e das pequenas centrais hidrelétricas. No Sul e no Nordeste do Brasil, onde ocorre abundantemente, pode se tornar um grande auxiliar na cogeração em usinas termelétricas, substituindo o carvão, com uma incrivelmente menor emissão de gases tóxicos e CO2.

A correta utilização do shale gas começa com a adequação das nossas expectativas. E para começo e pelo menos para o ajuste dessas expectativas, a experiência americana nos será de grande ajuda. Vale a pena acompanhar com atenção.

Por Celso Magalhães

Fonte: Valor Econômico

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