Notícias
Nove anos depois, Refinaria Abreu e Lima deverá custar oito vezes mais
21/11/2014
Em 2005, custaria US$ 2,5 bilhões. Nove anos depois, o valor é US$ 18,5 bilhões, oito vezes mais. Foram 383 aditivos nos contratos. E, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), há indício de sobrepreço de R$ 1,2 bilhão. Os números ajudam a explicar o interesse da Polícia Federal na Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, uma obra que está no enredo da Operação Lava-Jato.
Precursor do time de delatores do escândalo que desfalcou a Petrobras, Paulo Roberto Costa teve influência direta na construção, já que ocupou a Diretoria de Abastecimento e Refino da estatal entre 2004 e 2012. Junto, algumas das empresas que tiveram executivos e funcionários presos, na última semana, foram contratadas para materializar o complexo de 6,2 quilômetros quadrados em Ipojuca, a primeira planta de refino erguida no Brasil em 34 anos.
Com o início da operação recém-autorizado, mas ainda com obras em andamento, Abreu e Lima será capaz de processar, quando estiver em plena operação, 230 mil barris de petróleo por dia. Pela análise de auditorias do TCU, feitas desde 2008, também é um monumento à falta de planejamento.
— Não houve avaliação de riscos adequada — diz o presidente do tribunal, ministro Augusto Nardes.
Abreu e Lima surgiu como parceria Brasil-Venezuela, um dueto dos presidentes Lula e Hugo Chávez. Eles lançaram a pedra fundamental em dezembro de 2005. Petrobras e PDVSA seriam sócias no empreendimento, o que não se confirmou. Os vizinhos desistiram. A petroleira brasileira teve de assumir uma fatura que não parou de inflar. Um ano após o lançamento, o custo era de US$ 4,1 bilhões. Em 2009, já estava em US$ 13,4 bilhões.
O salto nos gastos pode ser explicado, em parte, pelas auditorias do TCU, algumas pendentes de julgamento e recursos. Conforme o tribunal, somente na terraplenagem da área há sobrepreço apurado de R$ 69 milhões. Formaram o consórcio responsável pelo serviço as empresas Odebrecht, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e Galvão Engenharia, investigadas na Lava-Jato.
Um exemplo de falha suspeita é indicado nas tubovias, ligação entre as unidades e os tanques da refinaria. Quatro dias após assinar o contrato, o consórcio vencedor apresentou relatório que indicava um solo mais suscetível a deslocamentos do que o previsto no projeto original. Veio a sugestão de mudanças nas fundações, com maior número de estacas, acatada após novos estudos.
A Petrobras celebrou dois aditivos que aumentaram o valor em R$ 180 milhões. Ao analisar o caso, o TCU destacou que a situação do solo, “aparentemente”, era de conhecimento das empresas e da estatal, pois a Queiroz Galvão, uma das titulares da terraplenagem, respondia pelas tubovias.
— O que a Petrobras mais sabe fazer é levantamento sísmico. É um absurdo errar projeção tão rasa e simples. Abreu e Lima é um exemplo a não ser seguido – adverte um engenheiro da petroleira.
Estatal está apurando ação de funcionários
O roteiro de projeções furadas foi corroborado por Paulo Roberto Costa, ao definir a previsão de gastos da construção como uma “conta de padeiro”. À CPI da Petrobras, no Congresso, explicou que a estatal pegou o custo de uma refinaria no Golfo do México e aplicou os números no Brasil, em uma conta “extremamente preliminar”. Internamente, o alto escalão da empresa reconhece que, mesmo em valores de mercado, a obra extrapolou o caixa. Em média, uma refinaria exige US$ 35 mil por barril processado. O cálculo de Abreu e Lima chega a US$ 80 mil.
Em comissões de apuração internas, a Petrobras vislumbra o envolvimento de funcionários nos saltos de preços e nos episódios investigados pela Lava-Jato. Comenta-se que pelo menos oito servidores ainda na ativa na Abreu e Lima tenham relações com o esquema. Aos poucos, eles são afastados. Procurada, a estatal apenas informou que nos 383 aditivos da refinaria “foram cumpridos os procedimentos internos do sistema Petrobras”.
Refinaria Abreu e Lima
— Abreu e Lima é a primeira planta de refino construída no Brasil desde 1980. A Petrobras optou por uma refinaria no porto de Suape, em Ipojuca (PE).
— O objetivo principal é produzir óleo diesel. A cada cem barris de petróleo cru processados, serão produzidos 70 barris de diesel S-10, com baixo teor de enxofre.
— Além de diesel, a refinaria produzirá outros derivados de petróleo, como nafta, coque e gás de cozinha. O complexo atenderá o mercado das regiões Nordeste e Norte.
— 383 aditivos foram celebrados nos 29 principais contratos e se referem a valor, prazo, mudança de CNPJ, desoneração tributária, cessão de direitos e obrigações, adequação de cláusulas contratuais e alteração de composição de consórcios.
Obras industriais
Os contratos das obras industriais indicam uma série de erros que contribuíram para a realização de aditivos que aumentaram em quase R$ 1 bilhão o valor do empreendimento, conforme dados de 2013.
Projeto básico deficiente
— O TCU constatou falhas na elaboração dos projetos básicos. Nas licitações, a Petrobras previu quantidades determinadas de materiais e serviços, como estacas, estruturas metálicas e tubulações. Com o avanço dos projetos de engenharia, constatou-se a necessidade de maior volume de materiais e mudanças nos projetos, elevando o custo.
Estruturas metálicas
— O TCU constatou imprecisão nas previsões de quantidade. Na unidade de destilação, o acréscimo de estruturas foi de 190%, e na unidade de hidrotratamento, de 115%.
Solo
— O TCU constatou deficiências na identificação do perfil do terreno. O custo das obras teve aumento na ordem de R$ 210 milhões somente em função de alterações nas quantidades de estacas. A Petrobras previa um solo menos expansivo, o que provocou mudanças nos tipos de fundações, com maiores quantidades e aplicação de estacas com maior diâmetro.
Tubovias
— Em 16 de abril de 2010, foi dada autorização para início do detalhamento do projeto – são oito quilômetros de tubulações. Apenas quatro dias depois, o consórcio vencedor apresentou um relatório que indicava um solo mais suscetível a deslocamentos, com sugestão de mudanças nas fundações.
— Segundo o TCU, a diferença no solo já era, aparentemente, de conhecimento do consórcio e da Petrobras.
— Estudo contratado da Fundação Universidade de São Paulo confirmou a diferença no solo. Houve acréscimo de 32.900 metros de estacas.
— Com atrasos e a modificação das fundações, a Petrobras optou por recuperar o cronograma da obra, celebrando cinco aditivos com valores, somados, de R$ 690 milhões. Para evitar atrasos, foi criado um plano de trabalho, com medidas adicionais não previstas no contrato original.
Fonte: Tribunal de Contas da União
ENTREVISTA – Augusto Nardes, presidente do TCU
“Avaliação de riscos não foi adequada”
Há razões para tantas falhas de planejamento?
É uma característica do país, não é somente da Petrobras. Sobre Abreu e Lima, o mais significativo e que demonstra que não foi feito o planejamento adequado é que a obra começou com US$ 2,5 bilhões de previsão de custo, e hoje está próxima de US$ 20 bilhões, mais de R$ 40 bilhões. Não houve uma avaliação de riscos adequada.
Na construção das interligações de tubos, quatro dias após a assinatura do contrato, o consórcio vencedor solicitou mudanças na obra. A Queiroz Galvão, parte do consórcio, fez a terraplenagem da refinaria. O projeto original facilitava aditivos?
Nas tubovias, não houve uma boa governança, faltou um bom planejamento, uma análise adequada dos riscos. Quem tem de fazer isso é a Petrobras. Em toda Abreu e Lima, o indício de sobrepreço é de R$ 1,2 bilhão, mas pode chegar a
R$ 1,5 bilhão. Vale lembrar que o julgamento ainda está em aberto.
Nas falhas de avaliação dos projetos, houve má-fé ou incompetência?
O fato de ter o sobrepreço já demonstra que não houve uma avaliação adequada. A Polícia Federal está mostrando, na Lava-Jato, a existência de grandes negociações em relação a isso. O tribunal detectou as falhas muito antes e fez os alertas, pois nos interessa estancar as falhas que facilitam a corrupção.
Se o sobrepreço pode chegar a R$ 1,5 bilhão na refinaria, o tribunal pensa em cobrar pelos desvios, em repactuar contratos?
Já repactuamos contratos em todo o país. Toda a discussão da Abreu e Lima está sendo feita, é preciso aguardar. São indícios, o valor depende da interpretação do relator e do contraditório. Isso é um processo inicial, não significa que vamos penalizar, transformar as empresas em inidôneas lá na frente.
Fonte: Zero Hora