Voltar

Notícias

Operações contra infiltração do PCC na economia podem ser novo marco na segurança pública

15/09/2025

Fonte: Folha de S. Paulo

Renato Sérgio Lima, Diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Operações recentes que mostraram a atuação de facções criminosas no setor produtivo do país representam um exemplo exitoso de cooperação de órgãos de investigação e de inteligência financeira, o que favorece novos arranjos de governança e maior destaque, acima do debate partidário, ao tema da segurança pública.

Ao contrário dos adágios populares que associam o mês a fatos nefastos, agosto de 2025 tem o potencial de ser lembrado como o período em que múltiplos movimentos e acontecimentos tornaram possível uma virada de paradigma na segurança pública.

Há um conjunto de sinais que parecem revelar o que a escola neoinstitucionalista das ciências sociais costuma chamar de “conjuntura crítica”, período em que mudanças mais substantivas na relação entre Estado e sociedade são possíveis e mais fáceis de serem implementadas.

Nesses momentos, consensos técnicos, práticas exitosas e novos arranjos de governança ganham tração e há uma redução dos constrangimentos institucionais que usualmente regem as relações de poder em um determinado campo de políticas públicas. Reformas mais estruturais tornam-se menos distantes.

E, o mais grave, ao ampliar seus domínios, o crime organizado ameaça a soberania do país, a economia e o próprio Estado democrático de Direito.

Essa infiltração do crime organizado em estruturas empresariais legais amplia seu poder e influência e facilita a lavagem de dinheiro oriundo de atividades ilícitas, fato que exige ações combinadas de repressão qualificada da criminalidade com reformas legais e normativas na forma como historicamente o Estado atua, na ideia de um amplo reforço de integração e coordenação entre as áreas de inteligência financeira e de inteligência de segurança pública.

É em torno do reconhecimento das ameaças que o crime organizado representa que, neste artigo, vejo três camadas de forças sobrepostas atuando que merecem reflexão e que podem, enfim, aumentar a eficácia das políticas de prevenção da violência e enfrentamento do crime no país.

A primeira camada a ser analisada é aquela que podemos chamar de mais imediata, fática, e envolve o resultado prático de três operações de enfrentamento ao crime organizado que foram deflagradas por autoridade públicas no mês de agosto e que, de certa forma, fortalecem a ideia de ação coordenada e de cooperação interagências.

Segundo estudo do FBSP divulgado em junho, de um total estimado de 1.592 fintechs existentes no Brasil em 2025, apenas 334 (cerca de 21%) são efetivamente supervisionadas pelo Banco Central, o que acaba por criar um verdadeiro oásis para a lavagem de dinheiro do crime.

Pior, o estudo mostra que o Banco Central estabeleceu que somente no final de 2029 tais instituições precisariam estar integralmente inseridas nos seus sistemas de fiscalização e controle, fato que facilitou ao crime organizado explorar brechas e produtos do mercado financeiro.

A segunda camada de forças que precisa ser considerada é aquela associada às disputas por espaços institucionais e por recursos. Nela, se destaca a discussão acerca da PEC da Segurança Pública, elaborada pelo ministro Ricardo Lewandowski.

A proposta tem sofrido grandes resistências da oposição e mesmo dentro do próprio governo. O argumento principal é que a PEC não inova no arranjo institucional e centraliza demais a coordenação do sistema de segurança pública nas mãos do Planalto.

De fato, o texto merece aperfeiçoamento. Seja como for, a PEC é a primeira proposta de uma gestão presidencial de reforma do modelo de ação e do arranjo federativo da área após a Constituição de 1988.

Antes dela, os diversos governos (Collor, FHC, Lula, Dilma, Temer, Bolsonaro) propuseram 17 planos, estratégias e programas de segurança pública, sendo que nenhum passou por avaliações de impacto ou alterou a forma como a Constituição havia pensado o tema como um direito social fundamental da população.

Para além da PEC, o debate em agosto girou em torno de um projeto de lei que está sendo discutido no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública, chamado antes de PL Antimáfia e, mais recentemente, de Plano Real da Segurança Pública.

Como essa é uma posição que encontra mais ressonância em integrantes do Ministério Público, os demais órgãos têm manifestado fortes reações contrárias, em especial a Polícia Federal, que considera a proposta uma afronta às competências legais da corporação.

Ainda sobre as disputas de espaços e recursos, no final de agosto a Folha trouxe uma boa entrevista da superintendente da Receita Federal em São Paulo, que propõe a Receita Federal como o órgão central de inteligência contra o crime organizado.

A ideia tem o mérito de incluir a autoridade tributária e fiscal do país na agenda da área, porém também é um posicionamento que disputa centralidade e recursos, lembrando que essa mudança a tornaria beneficiária de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, que deverá ser bastante anabolizado com o crescimento da arrecadação de impostos derivado das loterias online (bets).

Por fim, a terceira camada de forças que quero trazer é a política. Isso porque, na prática, a ampliação do poder do crime organizado no país foi um tema negligenciado ao longo dos anos pelos políticos brasileiros, muito mais preocupados com agendas populistas que acabam por reforçar desigualdades —basta ver os números da letalidade policial em estados governados por partidos de esquerda, centro ou direita.

O fato é que o sucesso das operações de agosto se deu menos por esforço das gestões de Lula (PT) ou Tarcísio de Freitas (Republicanos), para ficar nos nomes hoje mais prováveis como candidatos em 2026.

Após as operações, esse é o grande desafio, ou seja, manter o tema na agenda com força suficiente para que reformas aconteçam não obstante os múltiplos e difusos interesses envolvidos.

O Minaspetro divulga notícias de outros veículos como mera prestação de serviço. Esses conteúdos não refletem necessariamente o posicionamento do Sindicato.
publicidade