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Ações trabalhistas caminham para novo recorde após a reforma, puxado pela alta no setor deserviços
25/08/2025
O número de ações na Justiça do Trabalho vem registrando um crescimento contínuo e deve bater este ano umnovo recorde desde a aprovação da reforma trabalhista, em2017. Esse movimento vem sendo puxado principalmente pelosetor de serviços. No ano passado, esse setor respondeu por26,6% dos processos protocolados e atingiu um recorde histórico,com 556.143 casos novos. Até 2021, era sempre a indústria queliderava esse movimento nos tribunais trabalhistas.
Em todo o ano passado, como já mostrou o Estadão , foram 2,1milhões de ações, o maior patamar desde a reforma. O pico haviasido atingido em 2016, com 2,7 milhões de processos, número quecaiu para 1,7 milhão em 2018. E a tendência de crescimento se mantém este ano. De janeiro ajunho, foram ajuizadas 1,150 milhão de ações, ante 1,044 milhãono mesmo período de 2024, incluindo todos os setores daeconomia. As previsões são de que os novos processos cheguem a2,3 milhões até dezembro.
De acordo com especialistas ouvidos pelo Estadão, o aumento daparticipação do setor de serviços nesse movimento se explica pelaprópria dinâmica da economia. São atividades em alta no País, queganharam ainda mais impulso após a pandemia de covid-19 . Issomovimenta as contratações e demissões e, consequentemente, asações na Justiça.
Porém, o que mais explica o aumento geral da judicialização,segundo os analistas, foi uma mudança que o Supremo TribunalFederal (STF)
promoveu na reforma trabalhista em 2021. A reforma determinou que, se um empregado entrar com açãocontra uma empresa e perder o processo, tem de pagar as custasde honorários da outra parte e perícias, mesmo sendo beneficiárioda Justiça gratuita – ou seja, de baixa renda. O STF derrubou essaparte relativa à baixa renda em 2021, alegando que a normadificultava o acesso aos direitos e à Justiça.
Para o advogado Paulo Peressin, sócio do escritório Lefosse, queatende empresas na área trabalhista, a decisão do STF é oprincipal motivo para a alta das ações, incluindo o setor deserviços. Segundo ele, a isenção do pagamento para beneficiáriosda Justiça gratuita em caso de derrota tira qualquer risco de umtrabalhador entrar com uma ação no Judiciário – e não é tão difícilassim se beneficiar dessa Justiça gratuita.
“Hoje, um ex-empregado pode ingressar com uma açãodeclarando meramente que ele não tem condições de arcar com adespesa do processo e, se a empresa não conseguir demonstrar,provar por A mais B, que ele tem patrimônio, recursos e podepagar por tudo isso, ele acaba tendo risco zero”, diz o especialista. Rogério Neiva, juiz do Trabalho, ex-auxiliar da Vice-Presidênciado
Tribunal Superior do Trabalho (TST) e especialista em causa para o aumento das ações é a decisão do STF que facilitou oacesso gratuito à Justiça.
“A lógica é: eu não vou pagar para entrar com a ação; se eu perder,eu também não pago, e eu não vou pagar o advogado para entrarcom a ação, pois vou dar um pedaço do resultado para ele se euganhar. É um sistema de incentivo à judicialização”, diz.“Projetando o resultado do ano com base em 2024, a tendênciaseria de fechar 2025 com cerca de 2,3 milhões de ações ajuizadas.”
Tribunal relaciona aumento de processos ao fim dapandemia
Para o Tribunal Superior do Trabalho, porém, o aumento donúmero de ações tem ocorrido porque houve uma queda de processos no período mais crítico da pandemia. Após esse biênio (em 2020 e 2021), o número retomou o patamar pré-pandemia”, disse o tribunal ao Estadão , evitando relacionar oaumento com a decisão do STF sobre a Justiça gratuita.
“A Justiça do Trabalho observa os impactos das decisões judiciais que afetam o acesso ao Judiciário. No entanto, não é possível afirmar categoricamente que a decisão do Supremo Tribunal Federal na (ADI) 5766, em 2021, teve impacto direto no volume de ações na Justiça do Trabalho”, disse o tribunal.
Ainda para o TST, a judicialização do setor de serviços está relacionada com a participação desse segmento no mercado de trabalho. “Em 2024, por exemplo, o setor teve o maior saldo de empregos (915.800, segundo o Caged) e isso se repete neste ano.”
STF analisa autodeclaração para Justiça gratuita
Pelas normas do TST em vigor, o trabalhador pode acessar a Justiça gratuita apenas com uma autodeclaração, sem comprovação completa sobre seu patrimônio e renda. Como o Estadão já mostrou, essa situação provoca distorções em processos trabalhistas.
Um estudo coordenado pelo sociólogo José Pastore, professor da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP, baseado em casos reais, mostrou, por exemplo, que um empregado ganhou o benefício mesmo possuindo dois veículos BMW avaliados em R$ 800 mil cada e uma motocicleta Harley-Davidson que custa aproximadamente R$ 240 mil. Em outro processo, uma pessoa com salário de R$ 30 mil mensais ganhou a Justiça gratuita ao assinar uma simples declaração dizendo que não possuía condições de pagar os custos.
O Supremo Tribunal Federal julga uma ação sobre a validade da autodeclaração, mas o julgamento está suspenso após um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Segundo Rogério Neiva, o resultado pode corrigir a distorção, porém, não altera o quadro de aumento de ações na Justiça do Trabalho, pois não mexeria na isenção de pagamentos para beneficiários da Justiça gratuita que perdem os processos.
“É possível que os impactos dessa decisão recaiam para a pessoa de classe média ou classe média alta que hoje ganha R$ 10 mil, R$ 15 mil por mês, diz que é pobre e a empresa tem de se desdobrar para provar que ela não é“, diz. ”Mas, estruturalmente, você não cria a lógica que era a intenção do legislador com a reforma trabalhista, segundo a qual quem litiga sem razão paga o preço.”