Notícias
Brasil deve ficar sem leilão de petróleo pela primeira vez desde 2017
28/06/2024
A indústria de petróleo tem enfrentado uma lista de entraves neste ano e pode ter que lidar com mais um: a falta de leilão de exploração em 2024. Entre debates sobre a Margem Equatorial, greve dos agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), proximidade da Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas – a COP30, programada para Belém (PA) no ano que vem – e reclamações da Agência Nacional de Petróleo (ANP) sobre falta de recursos, os agentes do setor podem ter em 2024 o primeiro ano desde 2017 sem um certame por parte da agência reguladora.
Segundo a ANP, a expectativa mais conservadora é que a publicação de novos editais de leilões ocorra no começo de 2025. Isso acontece porque, em dezembro do ano passado, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) estabeleceu novas diretrizes para definição de regras de conteúdo local nos próximos ciclos de licitações sob os regimes de concessão e de partilha dentro da oferta permanente. Nessa modalidade, as empresas não precisam esperar a rodada “tradicional” de leilões, ficando permanentemente aptas para arrematar blocos de petróleo.
Procurada, a ANP diz que aproveitou a mudança do CNPE para revisar instrumentos licitatórios: “Trata-se de uma oportunidade de implementar melhorias no edital.”
A diretoria da agência aprovou nesta quinta-feira (27) a revisão dos editais relacionados à Oferta Permanente de Concessão. Segundo a ANP, a revisão dos documentos passará por consulta pública por 45 dias e depois por uma audiência pública. Depois da aprovação final pela diretoria, o texto será avaliado pelo Tribunal de Contas da União, que tem mais 90 dias.
O último leilão de áreas realizado pela ANP foi em 13 de dezembro, quando a agência disponibilizou blocos da oferta permanente sob os regimes de concessão e de partilha. O certame foi considerado melhor que o esperado pela agência, apesar de terem negociado 193 blocos, 32% dos mais de 600 ofertados nos dois regimes.
Julio Moreira, diretor-executivo de exploração e produção do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), afirma que a importância do setor para a economia brasileira faz com que a falta de leilão em 2024 seja mais preocupante. Segundo Moreira, antes de 2017, houve um período em que o país ficou alguns anos sem leilão, o que impactou negativamente nas reservas de petróleo e gás do país. Este impacto negativo sobre as reservas pode se repetir com a ausência de leilão, na visão do especialista.
Em abril, o Brasil produz 4 milhões de barris de óleo equivalente por dia. A expectativa é chegar a 5,4 milhões em dez anos, segundo Moreira. O país tem cerca de 12 a 15 anos de reservas neste momento, conforme os dados do IBP.
“Não entendemos os motivos que levaram a ANP a postergar [a realização de leilões]”, diz o diretor-executivo do IBP, que completa: “Imaginamos que a postergação dos leilões pode se relacionar a uma questão ambiental, mas entendemos que existem outros elementos que impactaram a ANP a ponto de atrasar o leilão”, diz.
Moreira lembra que a falta de leilões posterga descobertas: “A falta de previsibilidade e de continuidade de leilões têm impacto negativo para o setor e para a economia nacional. Projetos de exploração no país, desde o leilão até a descoberta do primeiro óleo, levam de sete a dez anos”, afirma o executivo do IBP.
Na semana passada, o presidente da Shell Brasil, Cristiano Pinto da Costa, disse que a falta de um leilão neste ano preocupa a companhia, que é a única empresa privada que participou de todos os certames da ANP desde a abertura do mercado. Segundo o executivo, a companhia europeia continua demonstrando interesse em aumentar a produção brasileira: “Acreditamos que uma sequência de leilões é importante para a indústria.”
Para a Associação Brasileira das Empresas de Bens e Serviços de Petróleo (Abespetro), a regularidade dos leilões é importante para assegurar a autossuficiência energética do país: “A regularidade dos leilões é fundamental para o planejamento das petroleiras presentes no país, bem como para a sustentabilidade da cadeia produtiva de fornecimento de bens e serviços, e estabilidade da geração de empregos e arrecadação de impostos no setor.” A associação de prestadoras de serviço destaca a importância de preservar a estrutura da ANP para que possa exercer o papel de reguladora e fiscalizadora.
Fontes ouvidas pelo Valor afirmam que a revisão de regras de conteúdo local é um tema complexo e que requer tempo, mas ressaltam que motivações políticas e de agenda podem ser o motivo desse atraso maior por parte da agência. Uma pessoa ligada à indústria diz que a falta de recursos da ANP pode ser um dos motivos. Os servidores da agência reguladora estudam entrar em “operação-padrão”, com redução da carga de atividades, por falta de recursos.
No início do mês, a diretora da ANP Symone Araújo disse ao Valor que a reguladora tem enfrentado dificuldades devido aos cortes de recursos sofridos no orçamento de 2024. “De modo geral, a agência, como todos os órgãos reguladores, recebeu um corte orçamentário forte, na casa de 20%, para 2024. Nosso orçamento é calculado para dez anos e sofreu reduções”, disse na ocasião. Esse corte orçamentário impacta questões de apuração e distribuição, por diminuir acesso a instrumentos de tecnologia de informação, e compromete a capacitação, disse a diretora.
Para uma das fontes ouvidas pela reportagem, a falta de leilão neste ano pode ser uma forma de a ANP chamar a atenção do governo para a redução de orçamento. “Não há razão objetiva para atrasar tanto o leilão”, disse.
Outra fonte diz que a agenda do Ministério de Minas e Energia (MME) tem outras prioridades neste ano, como a tentativa de liberar com o Ibama a licença para que a Petrobras inicie a exploração na Foz do Amazonas, na Margem Equatorial, e a preparação para a COP30, em novembro de 2025. “O MME está escolhendo as brigas. Colocar um leilão agora seria dissipar os esforços. A ANP não tem uma relação direta com isso, mas é uma agenda que concorre. O maior significado é o gesto que representa a falta de um leilão por um ano. Rever a regra de conteúdo local é complexo, mas daria para ter sido feito em um ano.”
O ministério rebate: “O MME informa que tem atuado de maneira firme para que o leilão da ANP ocorra ainda em 2024, incluindo aspectos estabelecidos pelo CNPE sobre obrigatoriedade de conteúdo local, gerando emprego e renda para brasileiras e brasileiros. Destaca também, que o leilão da PPSA [Pré-Sal Petróleo] acontecerá em 31 de julho deste ano”. A PPSA é a empresa pública vinculada ao ministério e que faz leilões da parcela de petróleo e gás da União.