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Efeito dos juros altos: nunca tantas pessoas e empresas tiveram tantas dívidas em atraso; entenda
12/09/2025
Os juros básicos no nível mais alto em quase duas décadas, de 15% ao ano, estão provocando estragos nas finanças de empresas e consumidores, que enfrentam crescente dificuldade para manter suas contas em dia. O número de empresas e de pessoas físicas inadimplentes atingiu um nível recorde este ano.
Em julho, o Brasil somava 8 milhões de empresas (um terço das companhias existentes) com dívidas em atraso. No caso dos consumidores, eram 78,2 milhões de brasileiros (quase metade da população adulta) inadimplentes, segundo a Serasa Experian, datatech especializada em dados e informações financeiras. Em ambos os casos, é a maior marca desde o início da série, em 2016.
Cada brasileiro negativado tinha, em média, quatro dívidas com pagamento atrasado e cada empresa inadimplente sete compromissos não honrados. “O cenário de dívida média por CPF (Cadastro Nacional de Pessoa Física) e CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) mostra o quão difícil é para o consumidor e para a empresa sair da situação de inadimplência”, diz Camila Abdelmalack, economista-chefe Serasa Experian.
A inadimplência segue em níveis recordes entre consumidores e empresas, mesmo em um cenário de desemprego na mínima histórica e de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), ainda que em desaceleração trimestre a trimestre. Ou seja, apesar das condições que poderiam favorecer a queda do calote, ele continua em alta.
O ambiente mais apertado na aprovação de novas concessões de crédito também agrava o quadro da inadimplência, observa a economista. É que a desaceleração no ritmo de aprovações de concessões acumuladas em 12 meses, tanto para o consumidor como para empresas, tem sido um obstáculo para quem precisa renegociar dividas.
Renda líquida
A dificuldade enfrentada pelo brasileiro para pagar em dia as dívidas está na redução da renda líquida. Ou seja, o que sobra de fato no bolso do consumidor diminuiu, segundo Nicola Tingas, economista-chefe da Acrefi, associação que reúne as financeiras.
Camila atribui o aumento da inadimplência à elevação dos juros básicos. Entre setembro de 2024 e junho deste ano, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) elevou os juros para conter a alta da inflação. E agora a alta da Selic está se manifestando na atividade.
Mesmo com o BC tendo interrompido a alta dos juros em junho, Camila diz que as consequências do aperto monetário serão observadas nos próximos três trimestres, por causa da defasagem que há entre as decisões de política monetária e os efeitos na economia real.
Além da alta dos juros, ele aponta dois fatores que deprimem a renda líquida: a inflação elevada e as apostas esportivas. “A inflação, ao longo desses últimos meses, tirou poder aquisitivo do orçamento, principalmente de famílias de média e baixa renda, e há comprometimento de uma parte significativa do orçamento com as bets”, afirma o economista.
O último relatório de crédito do Banco Central trouxe números preocupantes. A inadimplência de empresas e consumidores na modalidade crédito livre (com destinação não regulada pelo governo) atingiu em julho 5,2% do saldo a receber pelo sistema financeiro. É o maior nível em oito anos, desde junho de 2017.
Em julho, a inadimplência do consumidor nessa modalidade de financiamento foi de 6,5%, com alta de 1,2 ponto porcentual no acumulado deste ano. No caso das empresas, a inadimplência de financiamentos com recursos livres atingiu 3,3% e já subiu 0,8 ponto porcentual no ano até julho.Tingas observa que os dados de inadimplência do sistema financeiro compilados pelo BC foram afetados também pela mudança na forma de computar o calote, que permitiu antecipar a contabilização da Provisão para Devedores Duvidosos (PDD) nos balanços dos bancos. “Tem uma parte que é a mudança do critério de contabilização, mas independentemente disso, a inadimplência está em alta.”
No entanto, Camila observa um avanço importante na inadimplência de empresas do setor industrial em julho na comparação anual que, na sua avaliação, pode ser reflexo da desaceleração da atividade e também do tarifaço imposto pelo governo dos Estados Unidos às exportações brasileiras.
“Alguma questão relacionada a tarifas provavelmente pode estar prejudicando a inadimplência desse setor, mas não conseguimos isolar (esse fator) para saber o que é consequência dos juros elevados e o que pode ser reflexo das tarifas”, diz Camila.
Segundo Tingas, da Acrefi, nos últimos meses, há uma cautela muito maior na concessão de empréstimos por conta da queda no ritmo de atividade, do tarifaço, das expectativas políticas, e isso tem reflexo nas vendas das empresas.
“A desaceleração da economia agora está sendo sentida de forma mais forte, e a pessoa jurídica sofre com a falta de vendas e a dificuldade em fazer margem de lucro”, diz o economista da Acrefi. Isso explica o aumento da inadimplência das empresas, especialmente entre as pequenas e microempresas.
A perspectiva para a inadimplência das empresas e do consumidor é ainda de meses difíceis. Fabio Bentes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), projeta aumento do endividamento do consumidor e da inadimplência até o final deste ano. “Ainda vejo alguns meses de travessia difícil”, diz Tingas, da Acrefi.
A entrada de recursos extras, como o 13º salário e o pagamento de precatórios, somada à desaceleração da inflação, pode trazer algum alívio para a renda dos brasileiros e aumentar a liquidez das empresas no último trimestre do ano, atenuando a inadimplência. De toda forma, economistas acreditam que essa situação só será revertida com a queda dos juros básicos que deve ocorrer, segundo analistas, a partir do primeiro trimestre do próximo ano.
Pequenas e microempresas
As empresas mais castigadas pelo aperto monetário são as de menor porte. Das 8 milhões de companhias inadimplentes, 7,6 milhões são pequenas e microempresas. Elas responderam por 52,8 milhões de 58,6 milhões de dívidas negativadas.
Camila diz que as pequenas e microempresas são as mais afetadas porque não têm histórico de crédito nem como dar garantias para obter novas linhas de refinanciamento.
A economista vê riscos de desdobramentos importantes no emprego por conta do avanço da inadimplência entre as pequenas e microempresas. Isso porque elas respondem por cerca de 70% dos postos de trabalho da economia brasileira.
Mais da metade do total de empresas inadimplentes, de todos os portes, é do setor de serviços, aponta o levantamento da Serasa. Isso reflete a grande importância do setor de serviços no PIB.
