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Gravação mostra donos de postos do DF discutindo preços de combustíveis

26/11/2015

Documentos da Justiça obtidos pela TV Globo mostram diálogos entre integrantes de um suposto esquema de cartel envolvendo distribuidoras e empresas donas de postos combinando preços de álcool, gasolina e diesel em estabelecimentos do Distrito Federal e Entorno.

Pelos cálculos da PF, o prejuízo pode chegar a R$ 1 bilhão por ano. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e o Ministério Público do DF também participam das investigações.

Em uma das conversas, gravada em 4 de agosto deste ano, o administrador da rede JB, Marcello Dorneles, relata ao proprietário da mesma rede, Braz de Mouro, uma reunião no dia anterior com donos de postos (de nomes Vicente e Alexandre) para fazer acordo com o posto São Roque, que atua com a bandeira Shell na BR-020, sobre preços que seriam praticados na rodovia e na cidade de Formosa (GO).

“Aí nosso álcool ficava acho que R$ 0,20 mais barato do que ele, do que o do São Roque, o álcool fica mais barato. E disse que os caras da rodovia concordaram em que ele fique R$ 0,10 mais barato que o diesel”, diz Dornelles a Braz de Moura.

Na mesma ligação, Dornelles cita uma conversa anterior com “Ivan”. Para a Justiça, o trecho se refere ao dono do Posto São Roque, Ivan Ornelas Lara. “Porque ia ser um absurdo a gente ficar com uma margem do álcool… Então, o Ivan chegou a oferecer pra nós, falou: ‘subam a gaso… subam o álcool que eu subo a gasolina, e o diesel eu me entendo com o pessoal’”, diz Dornelles.

Em resposta, Moura diz a Dorneles para pensar no interesse do grupo JB. “Rapaz, daqui pra frente, salvo se for do nosso interesse, certo? Ou seja obrigatório nós fazermos por qualquer coisa, mas nós vamos pensar em nós, em salvar a nossa pele, que nós somos muito bonzinhos com todo mundo e tamos ficando com o ‘cu’ na seringa, né?”

De acordo com o documento do Tribunal de Justiça do DF, a maior rede de postos, a Cascol, “comanda o mercado de combustíveis do DF, sendo seguida pela Gasolline, sendo que as duas redes é que ditam o ritmo do mercado, trocando informações estratégicas, como preço de aquisição da distribuidora e preços que irão praticar, no que são seguidas pelas redes menores”.

Outro trecho do documento traz um trecho em que Dorneles fala a Moura sobre uma conversa que teve com Ivan sobre preço de gasolina aditivada praticado. “Ele vende mais baixo, né, inclusive. Vende a preço de comum. Enfim, aí eu falei: “Ivan, cê sabe que espaço eu não vou te dar mais, isso aí cê pode esquecer, tô falando aqui, nem quero te pedir nada”. Aí, ele: “não, isso aí era ‘facim’ da gente acabar com esse problema”. E eu falei: “qual era a solução?”. Ué, eu subo a gasolina, véio, é só você botar o álcool no preço do meu.

De acordo com o documento, Marcelo Dorneles também discute o preço dos combustíveis com o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis (Sindcombustíveis-DF), José Carlos Ulhôa. No diálogo, o dirigente sindical diz que “o álcool está tendo oferta demais” e que “vamos ter que dar um aperto neles, nesses nossos amigos”. Ulhôa se refere a usineiros que estariam trazendo o combustível ao DF sem nota fiscal.

“O pessoal tá trazendo direto da usina. Tá chegando álcool aqui em Brasília sem nota, eu tô sabendo. Eu tenho que denunciar esse trem. […] É, eu tô achando muito estranho, eu tô muito estranho as companhias fazendo assim, vamos ter que dar um aperto neles, nesses nossos amigos aí, tá?”

Ação da PF

Nesta terça-feira (24), a Polícia Federal deflagrou uma operação para desmembrar um grupo que combinava preços na distribuição e revenda de combustíveis no DF e no Entorno. Segundo a PF, o suposto cartel atuava há pelo menos dez anos.

Foram expedidos sete mandados de prisões temporárias, 44 mandados de busca e apreensão e 25 de condução coercitiva (quando a pessoa é obrigada a prestar depoimento). Os mandados da operação, batizada de Dubai, envolvem também as empresas Shell e Ipiranga. Parte deles foram cumpridos no Rio de Janeiro.

Entre os presos temporários (por cinco dias, prorrogáveis por mais cinco) estão Marcello Dorneles, Antônio Matias, um dos sócios da empresa Cascol, dona de cerca de 30% dos postos de combustíveis do DF, o presidente do Sindicato dos Combustíveis do DF, José Carlos Ulhôa, e um sócio da empresa Gasolline, Cláudio Simm. O gerente da BR Distribuidora no DF, Adão Pereira, foi preso durante ação no Rio de Janeiro. Os mandados partiram da 1ª Vara Criminal de Brasília.

De acordo com a polícia, a principal rede investigada vende 1,1 milhão de litros de combustível por dia. Com o esquema, a empresa chega a lucrar diariamente quase R$ 800 mil.

Segundo as investigações, as empresas, que controlam mais da metade dos postos do DF, acertavam os preços oferecidos ao consumidor final. As redes menores seriam comunicadas pelos coordenadores regionais do cartel.

“Durante o trabalho investigativo também ficou claro que o Sindicombustíveis/DF, sindicato dos postos de combustível, exercia importantes papéis na manutenção do cartel, ao servir como porta-voz do cartel e ao perseguir os proprietários de postos dissidentes”, informou a PF, em nota.

Para a corporação, as duas maiores distribuidoras de combustível do país “sabiam do cartel e estimulavam a fixação artificial de preços dos combustíveis”, com a participação dos executivos. O G1 não conseguiu contato com o sindicato até a publicação desta reportagem.

A operação foi batizada de Dubai em referência à cidade-Estado do Golfo Pérsico que enriqueceu graças à exploração das reservas naturais de petróleo e gás.

Esquema

Por meio de escutas e interceptações de mensagens, os investigadores apontam que a estratégia do grupo era tornar o etanol economicamente inviável para o consumidor, mantendo o valor do combustível superior a 70% do preço da gasolina – mesmo durante o período de safra.

“Com isso, o cartel forçava os consumidores a adquirir apenas gasolina, o que facilitava o controle de preços e evitava a entrada de etanol a preços competitivos no mercado”, continuou a PF. “De forma simplificada, a cada vez que um consumidor enchia o tanque de 50 litros – já que cada litro da gasolina era sobretaxada em aproximadamente 20% – o prejuízo médio era de R$ 35.”

De acordo com o delegado João Pinho, da Polícia Federal, empresas donas de postos mantinham acordo com as distribuidoras. “[As distribuidoras] avisavam dos aumentos. Havia uma grande cumplicidade”, afirmou. Juntas, a BR Distribuidora, Ipiranga e Shell detêm 90% do mercado no DF. O delegado diz que o presidente do Sindicato dos Combustíveis do DF, José Carlos Ulhôa, exercia pressão para que os postos continuassem no esquema, por meio de chamadas telefônicas ou até em grupos de WhatsApp.

A BR Distribuidora informou que presta “total colaboração com as autoridades nas diligências”. “A empresa pauta sua atuação pelas melhores práticas comerciais, quaisquer irregularidades serão investigadas e os responsáveis, punidos”, disse a empresa, em nota.

A Ipiranga disse que não teve acesso ao inquérito policial e que vai contribuir “com integridade e transparência, com as informações necessárias aos órgãos de controle”. “As medidas cabíveis serão avaliadas, assim que a empresa obtiver conhecimento do processo.”

A Raízen, licenciada da marca Shell no Brasil, confirmou que um dos funcionários foi conduzido à delegacia e liberado após depoimento. A empresa disse que “age sempre de acordo com a lei, prezando pela ética no relacionamento com todos os seus públicos” e informou colaborar com as investigações.

Investigação

Em março, depois de reportagem do G1, o Procon iniciou uma operação para fiscalizar possíveis abusos no reajuste dos preços dos combustíveis dos 318 postos da capital, para verificar se o valor cobrado dos consumidores era abusivo.O relatório produzido foi encaminhado ao Ministério Público.

A fiscalização terminou no início de abril. Segundo o promotor responsável pelo caso na época, Paulo Binicheski, apenas dois postos estariam operando com preços abusivos. Ele não informou se esses estabelecimentos seriam notificados.

Com base no relatório, o MP pediu à Agência Nacional do Petróleo (ANP) que investigasse supostos abusos nos preços dos combustíveis.

Na época, o Cade informou que também fazia análise técnica da situação. Em 21 dias de fevereiro, o preço da gasolina teve dois reajustes nas bombas do DF – pulou de R$ 3,19 para até R$ 3,55 o litro. Hoje, a maioria dos postos do DF cobra R$ 3,79 pelo litro.

Em agosto, a promotora responsável pelas investigações sobre o preço dos combustíveis informou ao G1 ter solicitado ao Cade compartilhamento de informações que pudessem indicar existência de cartel no setor.

Fonte: G1

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