Como o governo Lula e a Refit vivem uma guerra jurídica que tem como pano de fundo o PCC

11/11/2025

Fonte: Estadão

BRASÍLIA – Na última semana, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) foi o campo de batalha de mais um capítulo da disputa jurídica travada entre o governo Lula e a Refit (nome fantasia da Refinaria de Manguinhos). A empresa tentou, sem sucesso, afastar dois diretores da agência da investigação que detectou irregularidades nas instalações da companhia, no Rio de Janeiro, e paralisou as suas atividades.

Após ser interrompido por quatro horas, o julgamento acabou suspenso às 21h por um pedido de vistas (mais tempo para análise). A empresa, no entanto, não obteve os votos necessários para levar adiante a empreitada.

É o mais recente embate desde que a Operação Carbono Oculto, deflagrada em São Paulo no fim de agosto, revelou que o combustível da Refit estaria abastecendo postos de gasolina controlados pelo Primeiro Comando da Capital (PCC). Desde então, a Receita Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional subiram o tom nas críticas contra a empresa, classificando Manguinhos como “sonegador contumaz” e afirmando que a companhia não vem recolhendo tributos como deveria.

Procurada, a Refit negou sonegar impostos e rejeitou ter ligação com o crime organizado. “A Refit não foi alvo da operação Carbono Oculto e repudia de forma categórica qualquer tentativa de associar a empresa ao PCC ou a qualquer outra organização criminosa”, afirmou a empresa, em nota (veja a íntegra abaixo).

Em suas falas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, elegeu o caso da Refinaria de Manguinhos como emblemático no combate ao crime organizado. Ele fez críticas e apelos ao governador do Rio, Cláudio Castro, após o Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RJ) conceder liminar para desinterditar a empresa — depois anulada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O governo Lula tenta montar uma resposta à demanda dos eleitores contra facções criminosas. A segurança pública é a área mais criticada da gestão atual de Lula.

Como a Refit entrou na mira das autoridades

A investigação feita pelo Ministério Público do Estado de São Paulo e Receita Federal na Operação Carbono Oculto afirma que a Refit ocupou o espaço que era da Copape, fechada um ano antes pelas autoridades, no fornecimento de combustível aos postos do PCC.

O indício apontado pelos investigadores é que, no mesmo período em que a Copape foi retirada do mercado, a Refit passou a importar e vender quase a mesma quantidade de combustível que a empresa fechada.

Entre o primeiro e o segundo semestres de 2024, Manguinhos aumentou o volume de combustível importado de R$ 2,98 bilhões para R$ 5,6 bilhões, uma diferença de R$ 2,62 bilhões. O valor é praticamente o mesmo que a Copape, já fechada, deixou de importar (R$ 2,55 bilhões).

O combustível adicional comprado pela Refit foi distribuído principalmente pela Rodopetro, empresa de Duque de Caxias (RJ) que passou a vender volumes expressivos a compradores que até então não haviam adquirido uma gota de combustível dela.

Um exemplo é a Orizona Combustíveis, que, em um intervalo de seis meses após o fechamento da Copape, saiu de zero em compras da Rodopetro para R$ 3,10 bilhões.

Os investigadores descobriram que a sede da Orizona fica no mesmo endereço que outras empresas ligadas aos donos da Copape — Roberto Augusto Leme da Silva, o Beto Louco, e Mohamad Mourad, que estão foragidos. Há outras empresas identificadas no processo exatamente na mesma situação, ou seja, passaram a comprar combustível da Rodopetro, vindo da Refit, e funcionam em endereços ligados à dupla.

Isso comprovaria, segundo a investigação, a relação entre o grupo Refit e a Copape.

Desde que esses achados foram revelados na Operação Carbono Oculto, autoridades tentam na Justiça, na ANP e também na Receita Federal enquadrar a Refit, uma empresa acusada de sistematicamente deixar de pagar impostos e, agora, de se associar ao crime organizado.

Em setembro, em uma batida contra a refinaria derivada da operação policial, a Receita Federal desvelou mais problemas na Refit. Na Operação Cadeia de Carbonoquatro navios que traziam carga do exterior para Manguinhos acabaram apreendidos porque, segundo o Fisco, tentavam enganar os controles aduaneiros na importação de gasolina para pagar menos ou nenhum imposto.

A empresa dizia comprar matéria-prima, mas um laudo feito pela ANP verificou que se tratava de gasolina pronta.

Isso fez o caldo entornar contra a empresa, que passou a ser tratada nos processos judiciais como “sonegadora contumaz”, como mostrou o Estadão. Em nota, a Refit afirma que “não pratica sonegação fiscal, ao contrário, emite regularmente suas notas fiscais e questiona, por meios legais e transparentes, a cobrança de supostos débitos tributários”.

A Receita Federal alega que, além de fraudar documentos, a Refit e as importadoras que trabalham exclusivamente para ela tentaram ocultar os verdadeiros donos da carga, o que é crime.

Caso perca o processo na Receita, a Refit pode ficar sem a carga, avaliada em cerca de R$ 500 milhões.

Três navios ainda estão atracados no Rio e um no Porto de Santos. Nesta semana, a carga começa a ser desembarcada para armazenamento pela Petrobras e outras empresas, que servirão como depositárias até que a Receita conclua a auditoria.

A ANP, por sua vez, verificou problemas na tancagem e no controle de vazão em Manguinhos e, o mais relevante para o futuro da companhia, concluiu que a Refit não estava refinando combustível, o que pode levá-la a perder benefícios tributários e até a licença para operar.

As irregularidades levaram a agência a interditar a companhia — decisão que foi parcialmente revertida. Os equipamentos usados no refino seguem fechados até a palavra final da diretoria da ANP.

Em nota, a Refit afirma que “já comprovou por meio de dois laudos científicos que não há qualquer irregularidade na documentação das importações, não havendo, portanto, justificativa para a interdição da carga pela Receita Federal”.

O julgamento da ANP suspenso

Na quinta-feira, 6, a ANP analisou o pedido da Refit para impedir dois dos cinco diretores da agência de julgar o caso da interdição da refinaria, sob o argumento de suspeição.

Manguinhos afirma que os diretores Pietro Mendes e Symone Araújo devem ser impedidos de analisar o processo porque a inspeção na refinaria foi realizada sem que os demais integrantes do colegiado tivessem sido avisados. Contra Mendes, a Refit acrescenta que ele era presidente do Conselho da Petrobras e, por isso, desejaria prejudicar Manguinhos em favor da concorrente.

Em voto incisivo, o diretor-geral da ANP e relator do processo, Artur Watt, rejeitou o pedido da Refit, avaliando que as alegações são infundadas e tem como objetivo atrapalhar o trabalho da agência.

Com o pedido de vistas dos diretores Fernando Moura e Daniel Maia, o julgamento rachou a ANP, foi suspenso e não tem prazo para voltar. Watt, Araújo e Mendes, no entanto, anteciparam seus votos, abrindo maioria contra a tentativa da Refit.

Por que o modelo de negócios da Refit está em jogo?

A classificação como refinaria é importante para a Refit ter acesso ao benefício de importar matéria-prima petroquímica pagando menos imposto. A gasolina pronta tem taxação mais alta e, quando ela é importada, o imposto deve ser recolhido assim que a mercadoria entra no País. Já no caso da matéria-prima, a refinaria recolhe menos imposto e só paga quando vende o produto manufaturado.

Quando ela diz que compra matéria-prima mas, na verdade, adquire e vende gasolina pronta, a Refit produz um diferencial que, segundo as autoridades, permite que ela venda mais barato do que os concorrentes, criando uma competição desleal, além de sonegar impostos.

Desde a apreensão dos navios com carga importada, a Refit processou apenas o que estava em seus estoques. Seus concorrentes dizem, nos bastidores, ter percebido que o preço do combustível vendido por ela já foi reajustado. Mas ainda não se sabe como a Refit voltará a atuar caso não consiga a autorização da ANP para seguir como refinaria (e ter acesso aos benefícios tributários na importação).

O vaivém na Justiça

Há 12 anos a Refit está em recuperação judicial, instrumento jurídico que afasta a sanção de credores e evita a falência. Quando a Receita e a ANP fecharam o cerco contra a companhia, Manguinhos recorreu à vara empresarial do Rio alegando que a apreensão da carga e a interdição prejudicam o pagamento da dívida parcelada.

O juiz, porém, se declarou incompetente, e o caso subiu para o Tribunal de Justiça do Rio, onde a empresa conseguiu um parecer a seu favor do governo do Estado do Rio.

Na semana passada, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) cassou a liminar após recurso da Fazenda Nacional que, entre outros argumentos, alegou prejuízo aos cofres do mesmo Estado do Rio que defendeu a companhia.

As autoridades federais informaram a Justiça que a dívida em impostos de Manguinhos já alcança praticamente todo o seu patrimônio e que se trata de uma empresa “insolvente”.

O que diz a Refit

Leia o posicionamento enviado pela Refit à reportagem:

A Refit reforça que a interdição da refinaria foi conduzida de forma clandestina e se baseou em uma sucessão de contradições e inconsistências por parte da ANP. Em diferentes ocasiões, a agência declarou que a Refit “não refina”, e ao mesmo tempo disse que a empresa teria refinado “acima da capacidade autorizada”. A ANP também oscilou entre classificar o produto da Refit como nafta e em seguida afirmar que o produto se tratava de gasolina automotiva.

A Refit já comprovou por meio de dois laudos científicos que não há qualquer irregularidade na documentação das importações, não havendo, portanto, justificativa para a interdição da carga pela Receita Federal, que recentemente afirmou não ter clareza sobre o que exatamente está nos navios: nafta, diesel, gasolina ou outros produtos. Pareceres elaborados pela certificadora AmSpec e pelo químico Ilidio Lazarieviez Antônio (cadastrado para prestar serviços para a própria Receita) confirmam que as cargas apreendidas não apresentam especificações de gasolina automotiva, afastando, assim, qualquer hipótese de fraude.

A Companhia reitera que não pratica sonegação fiscal, ao contrário, emite regularmente suas notas fiscais e questiona, por meios legais e transparentes, a cobrança de supostos débitos tributários, como fazem várias outras empresas de diversos setores, inclusive a Petrobras. Trata-se, portanto, de uma divergência jurídica legítima, que está sendo discutida em instâncias competentes, sem qualquer conduta irregular por parte da companhia.

Importante ressaltar que a Refit não foi alvo da operação Carbono Oculto e repudia de forma categórica qualquer tentativa de associar a empresa ao PCC ou a qualquer outra organização criminosa. A Refit possui um histórico consistente de denúncias às autoridades e à imprensa de postos ligados ao crime organizado e que praticam adulteração de combustíveis — postura que reforça um compromisso com a legalidade e a livre concorrência no setor. Foram as denúncias da Refit, inclusive, que levaram ao fechamento da Copape, formuladora de combustível ligada ao PCC.

Todos os questionamentos da ANP que levaram à interdição da empresa já foram sanados, sendo que a própria agência reconheceu nos pareceres equívocos em suas interpretações iniciais. A Refit já fez quatro solicitações de reunião com a ANP para esclarecer o processo da torre de destilação, etapa essencial para a retomada das operações de refino. Os pedidos da empresa porém não foram atendidos.

Essa atitude, somadas ao vazamento de informações sigilosas do processo e à consulta prévia feita à Petrobras — concorrente direta da Refit — sobre a possibilidade de assumir seu mercado antes mesmo da interdição, evidenciam uma conduta irregular e um claro conflito de interesse dentro da agência, que age com viés político, causando um prejuízo diário de cerca R$ 5 milhoes à empresa e colocando em risco o emprego de 4 mil trabalhadores diretos e indiretos.

Notícias Relacionadas

|

11 novembro
Debate conflituoso foi realizado no Senado Federal e Revenda defendeu dosimetria para níveis de exposição do benzeno.

|

11 novembro
Os petroleiros rejeitaram em assembleias, por ampla maioria, a contraproposta da Petrobras para o Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) 2025/26, e aprovaram estado de

|

11 novembro
Refinaria de Manguinhos tentou, sem sucesso, afastar diretores da ANP de investigação que paralisou suas atividades; empresa nega sonegar impostos e rejeita ligação com

|

11 novembro
Mercado brasileiro já emplacou mais de 147 mil veículos eletrificados no acumulado de 2025; confira o ranking.