O aproveitamento de documentos fiscais existentes no período de transição para o modelo previsto na reforma tributária, a confirmação de que a declaração dos novos tributos terá caráter meramente informativo desde que cumpridas as obrigações acessórias e a criação de um prazo de quatro meses sem penalidades pelo não cumprimento delas são medidas responsáveis que organizam a fase de adaptação ao novo regime. Essa é a opinião de tributaristas consultados pelo JOTA sobre um ato conjunto que regulamentou o tema nesta terça-feira (23/12).
As diretrizes constam no Ato Conjunto 1/2025, da Receita Federal e do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). O normativo publicado no Diário Oficial da União (DOU) listou as obrigações acessórias referentes ao IBS e à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) que deverão ser entregues a partir de janeiro de 2026, ano de transição da reforma.
O Ato Conjunto RCB/CGIBS 1/2025 prevê a criação da Nota Fiscal de Água e Saneamento Eletrônica (NFAg), da Declaração de Regimes Específicos (DeRE), da Nota Fiscal Eletrônica de Alienação de Bens Imóveis (NF-e ABI) e da Nota Fiscal Eletrônica do Gás (NFGas). Além dos novos documentos fiscais, estabelece o aproveitamento das seguintes obrigações acessórias já existentes:
- Nota Fiscal Eletrônica (NF-e);
- Nota Fiscal de Consumidor Eletrônica (NFC-e);
- Nota Fiscal de Serviços Eletrônica (NFS-e);
- Conhecimento de Transporte Eletrônico (CT-e);
- Conhecimento de Transporte Eletrônico Para Outros Serviços (CT-e OS);
- Bilhete de Passagem Eletrônico (BP-e);
- Manifesto Eletrônico de Documentos Fiscais (MDF-0);
- Guia de Transporte de Valores Eletrônica (GTV-e);
- Nota Fiscal de Energia Elétrica Eletrônica (NF3e);
- Nota Fiscal Fatura de Serviços de Comunicação Eletrônica (NFCom);
- Declaração de Conteúdo Eletrônica (DC-e);
- Nota Fiscal de Serviço Eletrônica de Exploração de Via (NFS-e Via).
O cumprimento das obrigações acessórias ao longo de 2026 terá efeito informativo e educativo, sendo um teste para a implementação do novo sistema tributário. De acordo com a Emenda Constitucional 132/23, a CBS entrará em vigor em 2027 e o IBS será implementado de forma gradual entre 2029 e 2032.
Ainda de acordo com o ato conjunto, não serão aplicadas as multas de 1% do valor da transação pela falta de registro dos campos do IBS e da CBS nos documentos fiscais durante os três meses que sucederem a publicação do regulamento comum dos tributos, que deve acontecer em janeiro de 2026.
Avaliações de tributaristas
Para Júlio César Soares, sócio da Advocacia Dias de Souza, o normativo organiza a porta de entrada documental dos novos tributos e reforça a ideia de 2026 como ano de testes, tendo um lado “tranquilizador” e um lado “exigente”.
“[É] tranquilizador porque a transição privilegia documentos já consolidados e porque há um período de adaptação sem penalidades. [É] exigente porque a vigência formal em 1º de janeiro de 2026 faz o relógio correr com planejamento de recursos, faturamento, integrações com autorizadores, parametrizações de produto e serviço, além de governança de dados. Especialmente em cadeias complexas como logística, energia, telecomunicações e serviços regulados”, pondera.
Leonardo Andrade, sócio do ALS Advogados, também viu com bons olhos o aproveitamento dos documentos já existentes. Observou, porém, que a criação das obrigações acessórias pode aumentar a complexidade do período de transição, ainda que reconheça a necessidade delas para “o controle” de atividades específicas.
Já André Menon, sócio tributarista do Machado Meyer Advogados, considera o normativo positivo porque reforça a segurança jurídica ao afastar a aplicação de multas pelo não cumprimento das obrigações acessórias nos primeiros meses: “Existia uma dúvida a cerca da obrigatoriedade de destaque do IBS e da CBS a despeito de ter sido operacionalizada a postergação da regra de validação”, explica.
Menon se refere à versão 1.33 da Nota Técnica 2025.002-RTC, assinada pela Receita Federal e pelo Encontro Nacional de Coordenadores e Administradores Tributários Estaduais (Encat). A nota tornou facultativo o preenchimento dos campos IBS/CBS para a emissão de notas fiscais e definiu que não será “exigido por regra de validação, porém permanece obrigatório conforme a legislação vigente”.
A avaliação de Felipe Peralta, tributarista do Miguel Neto Advogados, segue a mesma linha. Ele reforça que pairava, entre os contribuintes, a dúvida se a 4ausência dos acessórios implicaria o recolhimento do principal.
“Essa manifestação é uma resposta dos responsáveis pela gestão dos novos tributos instituídos pela reforma tributária do consumo à evidente falta de detalhamento da regulamentação dos tributos”, conclui.
Ressalva
Apesar das avaliações positivas, Soares chama atenção para a falta de clareza da expressão “sem efeitos tributários”, presente no parágrafo único do artigo 3º. O dispositivo estabelece que a apuração do IBS e da CBS terá caráter informativo se forem cumpridas as obrigações acessórias.
“O problema é que a legislação da reforma atribui à informação constante do documento fiscal caráter declaratório, com potencial de ser lida como confissão de valores consignados. Daí a importância de que o regulamento comum explicite, com precisão, o alcance da expressão, para que o ‘ensaio’ não se converta, por atalhos interpretativos, em instrumento de punição indireta, glosa ou contencioso prematuro”, observa.
Nota do Consefaz
Em nota a respeito do normativo publicado nesta terça-feira, o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Consefaz) destacou o aproveitamento das obrigações acessórias já utilizadas e a criação dos novos documentos.
“A iniciativa é fundamental para preservar a estabilidade do ambiente econômico, assegurar a continuidade das atividades produtivas e permitir que empresas, profissionais da contabilidade e administrações públicas se preparem, com segurança, para a plena operacionalização do novo sistema tributário”, diz o texto.

