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Entrevista com Carlos Eduardo Guimarães, presidente do Minaspetro

23/11/2020

Fonte: Aprix Journal

Carlos Eduardo Mendes Guimarães Junior começou sua carreira como revendedor em 1994, com um pequeno posto de gasolina da Texaco e nove frentistas. “Não tinha ninguém no escritório. Eu mesmo fechava os caixas, fazia o faturamento, emitia as notas fiscais, batendo a máquina ainda. Depois, fui crescendo lentamente”, relembra o empresário.

Depois de dez anos, Guimarães comprou seu segundo posto; dois anos depois, adquiriu o terceiro, além de um caminhão para transportar combustível. Assim, foi ampliando sua rede de postos, passando a trabalhar também com conveniências.

Devido ao competitivo mercado belo-horizontino, encontrou outras maneiras de diferenciar seus postos, montando uma troca de óleo especial. “Estudei bastante sobre esse mercado de troca de óleo, fui para os Estados Unidos, para a Europa, olhei outros modelos e criei um modelo muito inovador que se chama Quick Lube, que é realmente uma troca de óleo especializada”, explica Guimarães. Atualmente, trata-se de um modelo de franquias, com sete lojas próprias e 20 lojas externas, algumas inclusive fora dos postos de gasolina.

O pequeno negócio do empresário se expandiu até virar um grupo composto por 31 empresas, com 20 postos de gasolina, transportadora, loja de conveniência, franquias, produção de filtros e uma distribuidora. Além disso, pelo segundo mandato consecutivo, Carlos Guimarães é presidente do Minaspetro, sindicato mineiro da revenda de combustíveis.

“Eu enxergo cada vez mais uma necessidade de profissionalização da revenda. A revenda precisa trabalhar bem informatizada.” Carlos Guimarães

Aprix Journal — Qual é o papel do Minaspetro na relação entre distribuidora e revenda?

Carlos Guimarães — O Minaspetro é um sindicato bastante reconhecido nacionalmente. Muito pelo trabalho de outros presidentes, assim como o Paulo Miranda, que presidiu o Minaspetro durante muitos anos e tornou-o nessa grande força que é. Bom, o Minaspetro tem um papel muito importante não só na relação com a distribuidora, mas com todos os entes do mercado. Nós temos um corpo jurídico hoje que conta com mais de 30 advogados. Então, auxiliamos muito os revendedores no seu dia a dia não só com as distribuidoras, analisando contratos, fazendo notificações ou defendendo o distribuidor quando necessário, mas também trabalhando junto com órgãos, como a ANP, o Procon, a Secretaria da Fazenda, sempre denunciando irregularidades e lutando por um mercado mais justo e competitivo.

Aprix Journal — O que o sindicato observou em relação à revenda na crise gerada pela pandemia do novo coronavírus no Brasil?

Carlos Guimarães — A crise do coronavírus realmente impactou bastante a revenda — aliás, impactou o mundo inteiro e todo o setor. Tivemos, principalmente nos três primeiros meses, uma queda muito acentuada, eu mesmo, em alguns postos, cheguei a ter 70% de queda nas vendas, mas que vem se recuperando lentamente. Cada dia tem sido melhor do que o dia anterior, apesar de agora estarmos assistindo uma nova onda na Europa e preocupados que essa onda possa voltar ao Brasil também e termos novos lockdowns. Mas realmente essa pandemia foi um grande golpe na revenda, que já vinha fragilizada nos últimos anos pelo acirramento da competição e a diminuição da margem bruta. Se analisarmos os dados da própria ANP, a cada ano que passa, o revendedor está trabalhando com uma margem bruta menor, então hoje nós estamos falando de margens brutas inferiores a 10%. Isso é muito baixo, considerando que o posto de gasolina tem todos os custos de administração a serem pagos, como taxas de cartões de crédito, transporte de valor, um grande número de funcionários, aluguéis e todas as taxas. Então realmente hoje o que assistimos é uma rentabilidade inferior a 1% nos postos de gasolina.

Aprix Journal — Quais tendências o senhor projeta para o mercado de combustíveis após a pandemia?

Carlos Guimarães — Eu enxergo cada vez mais uma necessidade de profissionalização da revenda. A revenda precisa trabalhar bem informatizada, precisa ter todos os custos, não vou falar na ponta do lápis, mas na ponta dos dedos, através dos softwares de gestão e dos BIs para que possa analisar estes custos e buscar uma rentabilidade apropriada para o capital investido. Porque muitas vezes o revendedor é dono daquele imóvel, já herdou aquele imóvel, já comprou aquele imóvel há muito tempo e não faz a conta do custo desse capital. Às vezes ele tem uma rentabilidade no posto, mas ele está esquecendo que ele não paga aluguel e que aquele dinheiro, se ele vendesse o posto e colocasse no banco, daria muito mais dinheiro para ele, daria muito mais retorno do que a própria operação do posto. Então, a tendência pós-pandemia é esse novo normal, que muita gente tem falado que o home office agora é uma realidade. Talvez, uma diminuição um pouco do volume, dependendo de onde o posto está situado, mas não acredito numa diminuição muito grande, tendo em vista que, no Brasil, o modal é transporte rodoviário. Então, se falarmos em vendas totais, os postos de rodovia, os postos perto da produção do agronegócio estão crescendo muito. Eu acredito apenas que o posto precisa ter uma boa gestão para sobreviver, porque muitos postos já vinham fragilizados com esse golpe da pandemia e realmente entraram em dificuldade financeira, talvez recorreram a bancos ou parcelamento de aluguéis e agora estão com muita dificuldade de continuarem operando.

Aprix Journal — Na sua opinião, quais são os principais problemas e desafios para os revendedores na atualidade?

Carlos Guimarães — Primeiro, eu acho que é a baixíssima rentabilidade dos negócios, o elevado custo imobiliário. Os postos estão nas principais esquinas do país e esses imóveis estão muito caros, e se fizermos a conta do retorno financeiro do investimento do imóvel, o posto não está pagando. Então, esse é o primeiro desafio. E o segundo desafio, que já vem com a gente aí há vinte anos, é sempre o mercado irregular, ou aquele posto que não paga o tributo. Agora com a talvez possível venda direta de etanol da usina é enxergarmos novamente uma evasão fiscal e aí não tem como competir. Um posto que paga todos os impostos, que tem uma margem muito baixa, como compete com alguém que não paga imposto? Lembrando que nos combustíveis hoje metade do preço diz respeito a tributo. Então, esse é um grande desafio e temos de estar sempre lutando. E, aí, os sindicatos e a federação têm um papel muito importante na luta por esse mercado justo.

Aprix Journal — Como o senhor interpreta o elevado crescimento dos postos de marca própria no Brasil?

Carlos Guimarães — Os postos de marca própria hoje representam quase metade dos postos no Brasil. Então, eu acho que eles cresceram sim, nos últimos anos, mas eu acho que atingiram um certo equilíbrio, porque eu costumo dizer que os postos de marca própria versus os postos bandeirados estão numa balança. Quando as distribuidoras começam a cobrar um preço premium muito, muito maior, cobrar um preço muito mais caro do que o posto bandeira branca, existe um movimento natural desses postos de buscarem competitividade, ostentando uma marca própria.

Por outro lado, as distribuidoras, ao começarem a perder bastantes postos, elas também têm seu market share, também têm a sua rentabilidade desejada, então, elas vão brigar para retomar esses postos bandeira branca. Então é uma balança. E essa balança oscila entre market share das distribuidoras versus a rentabilidade que elas buscam. É claro que elas sempre querem uma grande rentabilidade, mas se essa rentabilidade sobe muito, se distancia do marca própria, elas acabam perdendo postos. E aí, elas têm de retroceder, baixar um pouco essa rentabilidade e ser mais competitivas e elas voltam a trazer postos para dentro de sua rede. E se fizermos uma análise, em geral, no Brasil, o que vemos é que, nas capitais e nos pontos mais importantes, ainda se veem muitas distribuidoras tradicionais, mas se formos para o interior e para as rodovias, temos uma presença maior das marcas próprias, porque a pessoa do interior já conhece o dono do posto, e também porque as distribuidoras, eu vejo que no interior ou em lugares mais distantes, cobram um preço premium maior desse revendedor e, por isso, lá existem mais marcas próprias.

Aprix Journal — Como os revendedores brasileiros estão lidando com as novas tecnologias de otimização do setor?

Carlos Guimarães — As novas tecnologias vieram para ficar, né? Então, se a gente fala de Uber, de AirBnB, não adianta regulação, não adianta uma discussão se é legal, se não é, se está acabando com o hotel, se está acabando com táxi… essas tecnologias vêm e arrasam tudo que existia anteriormente. […] Para o consumidor, essas tecnologias são muito interessantes, elas trazem praticidade, trazem agilidade e, por isso, elas tomam o mercado. Mas, para a indústria, essas tecnologias costumam causar danos muito graves. […] Então, eu costumo dizer que essas empresas de tecnologia valem bilhões porque elas implementam o novo normal, tirando o valor todo da indústria e levando valor para essa plataforma de tecnologia. […] E agora assistimos isso também na indústria do petróleo, com os aplicativos da distribuidora, principalmente com o Ame e com o Abastece Aí da Ipiranga que, através do spin-off, virou um banco. Então, não é razoável pensarmos que em um mercado com margem total aí de 10, 12% de margem bruta, uma companhia como a Ame possa oferecer 10% de cashback. O que é 10% de cashback? Eles estão comprando esse consumidor, comprando para que o consumidor entre na plataforma e comece a usar bastante essa plataforma. Na hora que a plataforma tiver milhares de usuários, essa taxa vai subir muito para os postos de gasolina. Então, no caso dos postos, os aplicativos, eles estão destruindo, vão destruir a revenda de três lados.

Primeiro, está destruindo através de tirar valor, com placas gigantes de 10% de desconto. Então, lutamos muito para a descomoditização do combustível, lutamos para oferecer serviço, conveniência, um posto bonito, limpo, iluminado, e agora tudo se reduz a uma placa de preço. É buscar o consumidor somente com preço, novamente. Esse é o primeiro ponto que está destruindo a indústria. O segundo ponto, é que conseguimos, depois de muitos anos de competição, baixar a taxa de adquirência do cartão de débito e crédito para níveis muito bons. E agora, simplesmente, chegam os aplicativos e estão cobrando dois, três, até cinco por cento de custo. Assim como o Uber e assim como o Rappi e o iFood estão tirando e cobrando a taxas altíssimas, simplesmente por uma plataforma. Volto a dizer, para o consumidor, é muito interessante, ele tem desconto e praticidade, mas para a indústria é muito danoso. E a Petrobras não enxergou, por exemplo, que essa parceria que ela fez com o Ame, que nem é da Petrobras, é da B2W, que é Submarino, Lojas Americanas, que todo esse valor está indo para essa empresa e vai ser consumido no site das empresas. Na Ipiranga, pelo menos a empresa está dentro do grupo, mas também vai haver, na minha opinião, uma retirada de valor da indústria, do downstream aqui dos postos de gasolina, para outra empresa do grupo Ultra, que é a empresa de tecnologia. Então, o mercado de de combustível vai perder, e a empresa Abastece Aí vai valer bilhões, mas nós vamos estar perdendo.

E não poderia deixar de falar, em relação a essa tecnologia, na perda do cliente. Hoje os postos de gasolina têm esses clientes, milhares de clientes diários, mas, infelizmente, não conseguíamos pegar o dado desse cliente, não tínhamos acesso a ele, simplesmente recebíamos ele ali, ele pagava em dinheiro, ia embora, e não sabíamos quem era esse consumidor. Com os aplicativos, agora, esse consumidor tem dono, e infelizmente o dono não é posto, o cliente passa a ser do aplicativo. Então, nem da Petrobras ele é. No caso da Ame, o cliente do posto virou um cliente da B2W, da Lojas Americanas, do Submarino e do Shoptime. E da Ipiranga também, o cliente não é do posto, ele é agora da empresa de tecnologia Abastece Aí. É uma pena que estejamos assistindo isso, e eu assisto com bastante preocupação, uma vez que essa tendência vai realmente crescer. O consumidor quer facilidade e desconto, e essa tecnologia está oferecendo isso em detrimento do posto de gasolina, como eu disse, e está destruindo o valor dessa indústria.

O Minaspetro divulga notícias de outros veículos como mera prestação de serviço. Esses conteúdos não refletem necessariamente o posicionamento do Sindicato.
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